segunda-feira, 2 de junho de 2008



02 de junho de 2008
N° 15620 - Paulo Sant'ana


Sintomas persistentes

Tem uma coisa que não entendo: nos outdoors e outras propagandas, os laboratórios anunciam seus remédios.

"Acaba com dor de cabeça", "É um tiro fatal nos distúrbios hepáticos", "Nunca mais você terá dores reumáticas", "Tome e nunca mais sofrerá com hemorróidas" e outros tantos.

Só que no fim de todo anúncio de remédio vem a frase: "Se persistirem os sintomas", consulte o médico.

Ora, se afirmam que vão acabar com a dor, como é que podem persistir os sintomas?

Sei que deve ser prescrição legal o conselho de consultar o médico nos anúncios de medicamentos.

Mas que todos os remédios anunciados se confessam como apenas primeira instância para tratar dos males para os quais são aconselhados, disso não resta dúvida. Os seus próprios anúncios declaram que a solução final é o médico.

Intrigam-me também esses anúncios porque, ao aconselhar os doentes a consultar com o médico caso preteie o olho da gateada, pergunto: e se, consultado o médico, persistirem ainda os sintomas?

Como é que o paciente faz? Outro médico ou macumba, benzedeira, entrega a alma para Deus?

"Tome Urodoxal e acabe com o seu mal" não é um anúncio confiável. Seria confiável se fosse: "Tome Urodoxal, que pode acabar com seu mal". Ou então assim: "Infecção urinária? Tente Urodoxal".

Mas afirmar que vai acabar com a dor e logo em seguida ressalvar que a dor pode não acabar, que caso isso aconteça deve-se procurar o médico, transmite a idéia de que o remédio não é lá essas coisas.

É o mesmo que um inseticida propagar que acaba com os mosquitos e no fim do outdoor vir a ressalva: "Se, depois de aplicado, aumentar o número de mosquitos em sua casa, compre um mosquiteiro".

Quer dizer, o consumidor tem de ter tal fé no remédio anunciado, que não admita que ele não dê certo em nenhuma hipótese.

Mais correto seria assim: "Antes de ir ao médico, tome Tossil". Ou por outra: "Não precisa ir ao médico, use Gripenil. Caso não dê certo, desculpe o nosso erro: era preciso ir ao médico".

Mais honesto ainda seria o seguinte: "Se você tem dor de estômago, consulte o médico. Se persistirem os sintomas, use Estomagil".

Ou seja, além de cumprir a prescrição legal de mandar consultar o médico, o remédio daria ainda uma de bacana: faria entender que é melhor do que o médico. Como quem diz assim: "Vá lá no médico e você vai concluir que o que resolve mesmo é Estomagil".

Ou mais confiável ainda: "Em último caso, depois de cessarem todos os recursos, tome Estomagil".

Eu sei que esses remédios anunciados são muitas vezes preciosos para as pessoas que não têm recursos para consultar um médico.

Então poderia surgir um anúncio assim: "Se a sua consulta e cirurgia no SUS vão demorar dois ou três anos para serem atendidas, para resignar-se, vá tomando Calmil".

E pior foi o caso do doente que, depois de ler num outdoor que a solução para seus problemas nervosos era o remédio Neurastenol, aplicou o remédio por dois anos e não deu certo. Seguindo o conselho para consultar um médico se persistissem os sintomas, foi ao médico.

E o médico receitou-lhe Neurastenol.

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