segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008



04 de fevereiro de 2008
N° 15500 - Paulo Sant'ana


A época da inocência


Há uma melodia muito triste, entremeada de versos tão simples quanto belos, que se constitui num clássico do populário brasileiro: "Tu não te lembras da casinha/ pequeninha/ em que o nosso amor nasceu?/ Tinha um coqueiro do lado/ que coitado/ de saudade/ já morreu".

Os coqueiros estão ligados estreitamente à minha infância. Para começar, eu de dois a cinco anos de idade morei na Rua dos Coqueiros, hoje Rua 17 de Junho, no Menino Deus. Era toda ela pontilhada de coqueiros.

Depois fui levado para Jaguari, onde estudei o primeiro ano numa escola de freiras e via lá de cima o rio que corta a cidade apinhado de pescadores, buscando em suas águas claras traíras cintilantes. Lá também na chácara em que morava havia altivos coqueiros.

Em seguida voltei para Porto Alegre e fui residir na Chácara das Bananeiras, ali na encosta do Morro da Polícia, junto aos quartéis da Brigada Militar.

À frente da minha casa, adornando um gramado cheio de urtigas, havia três esbeltos coqueiros. Eles sempre estavam à frente da paisagem vista da casa e lideravam o bucólico cartão-postal da nossa vivenda, aquele lugar inesquecível das tonteiras de guri.

Vez por outra ainda passo por ali, atrás do Regimento Bento Gonçalves, para deixar que se derramem dentro de mim as recordações de um tempo de doce alienação, das fantasias infantis contidas nas histórias em quadrinhos, na pelada de todas as tardes no campinho, nas incursões pelas selvas do morro, colhendo araçás, goiabas, maracujás, amoras, pitangas... e coquinhos.

Meus olhos ficam marejados quando volto ao cenário pretérito da minha felicidade. Dos três coqueiros da minha casa, resta, depois de 50 anos, apenas a metade do caule sem copa de um deles, resistindo corajosamente ao tempo, como a dizer-me que o encanto da vida não acaba nunca para os que resistem.

Como eram doces os fibrosos coquinhos da minha infância! Os butiás eram azedos, mas os coquinhos, mal amarelavam e tinham seus cachos empenados pelas nossas taquaras, os frutos melífluos caíam no chão e eram por nós devorados durante horas.

Não tenho dúvida de que essa obcecada propensão que tenho pelos doces me vem do tempo em que vivia com os lábios sujos dos frutos açucarados da natureza, colhidos farta e gratuitamente das árvores sem dono dos campos do Partenon. Os nossos rostos, nos fins de tarde, estavam sempre pintados com as tintas amarela e roxa das amoras, das pitangas e dos coquinhos.

Alguma energia que me faz ainda manter-me ereto, diante do ataque férreo dos excessos de uma juventude airosa sobre meu corpo, certamente foi adquirida por aqueles sucessivos anos de vegetarianismo, quando eu saboreava profusamente as frutas silvestres da minha vagabundagem pelos campos.

Não existem mais os coqueiros da Rua dos Coqueiros, os coqueiros de Jaguari, os coqueiros do Partenon, mas cravam-se na minha mente e no meu coração, como marcas indeléveis de um tempo que corria célere, e só agora tenho consciência de que era feliz, pois não continha sequer a incerteza com o futuro, junto com a inexistência do passado: o largo e inconfundivelmente paradisíaco tempo da infância, sem planos, sem inveja, sem comparações, sem ambição e sem ressentimentos.

É tão pura, genuína e virginal a infância que só muito depois dela eu fui saber que havia pobres e ricos, que havia ódio e traição, todas essas sombras que, embora existentes ao redor de uma criança, são absolutamente imperceptíveis a ela

E não me sai da cabeça a metade de caule daquele coqueiro que ainda lá nas Bananeiras resiste, a me empurrar para a recordação deliciosa daquela encantadora época da inocência.

(Crônica publicada em 7/07/1996)

Weel, como não estou na minha casa fica dificil postar, nos horários de sempre. Mas aqui estarei todos os dias, espero que não cortem meu barato da rede wirelles. Bom carnaval para você que vai pular e para vc que está em casa bons sonhos.

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