sexta-feira, 7 de dezembro de 2007



VIAGEM AO EXTREMO SUL DA SOLIDÃO

Michel Houellebecq fechou o ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre, na última terça-feira. Foi a melhor conferência do evento.

Predominaram o sarcasmo, a ironia e a discreta elegância de um texto ancorado em Alexis de Tocqueville e Auguste Comte. Fronteiras do Pensamento é disparado o melhor evento intelectual já organizado no Brasil. O mais importante, no entanto, foram as idéias do palestrante a respeito da arte. O autor de 'Extensão do Domínio da Luta', 'Partículas

Elementares', 'Plataforma' e 'A Possibilidade de uma Ilha' defendeu justamente o valor das idéias na literatura. Sobrou pau para todo mundo que teme a chatice, a profundidade e a densidade do pensamento. Fazer romances é fácil. Difícil mesmo é ter algo novo para dizer. Houellebecq sempre tem. É fogo.

Por exemplo, garantiu que maio de 1968 nada mudou no mundo. A grande revolução que existiu, segundo ele, foi provocada pelo rock e pela pílula anticoncepcional.

Sobraram porradas para o grande Céline, o cada vez mais adorado Nietzsche e para os americanos em geral, sempre tão avessos a tudo o que atrapalha o ritmo de uma história. Já Balzac e Tocqueville receberam todos os elogios. Não faltou provocação nem estilo. Mesmo assim, apesar da excelente performance, mais uma vez, o nosso escritor maldito não comeu ninguém.

Salvo se escapou do hotel na madrugada para rever as moças das imediações da Farrapos que lhe chamaram a atenção quando passamos de carro rumo ao restaurante. Andamos pela noite porto-alegrense em busca da má reputação (no bom sentido) libertária das nossas gurias.

Eu fui com a Cláudia. Michel reencontrou uma gaúcha com quem quase 'ficou' em 1999. Exceto se não passou de imaginação. Na época, ela hesitou. Quando foi atrás, chegou cinco minutos depois que ele já havia se retirado do campo da luta. Desta vez, ela estava lá. Mas não se decidiu. Ou não quis. Sei lá.

Conclusão de Michel Houellebecq: o Brasil não está à altura da propaganda liberal (no sentido sexual) que faz de si mesmo no mundo. A Rússia chegará primeiro ao futuro. Ou ao passado? Brincadeiras à parte, vamos ao fim do mundo.

Cláudia, Michel Houellebecq e eu estamos indo hoje para a Patagônia. Vamos fazer turismo, tentar um vídeo e coletar, quem sabe, material para um livro. Será, talvez, como o título de um dos meus romances, uma viagem ao extremo Sul da solidão.

Ou o encontro de dois escritores, o célebre e o desconhecido, ao Sul de tudo para uma longa conversa sobre o sentido da arte, da vida, do amor, do sexo e das idéias. Com certeza, vamos nos divertir.

Se nada render, voltaremos para casa com boas imagens, muitas lembranças e certamente uma boa dezena de grandes tiradas de humor. O sexo dificilmente passará de um tema de conversação. Afinal, o imaginário sobre as argentinas é bem mais recatado e sem grandes insinuações.

Agora, falando muito sério, Michel Houellebecq, na sua palestra contundente, defendeu o essencial: um artista que se respeite não faz concessões ao gosto médio nem vende as suas intuições.

Mas isso não significa que tenha de praticar um obscurantismo autocomplacente e medíocre tendo por justificativa a ignorância dos outros.

Arte e democracia têm por natureza uma relação conflitual e com marcas muito próprias. Cabe ao artista apostar todas as suas fichas no seu projeto estético. O resto é apenas uma busca desesperada de fazer sucesso.

juremir@correiodopovo.com.br

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