segunda-feira, 3 de dezembro de 2007



O ANO BRASILEIRO DO CINEMA

O ano de 2007 ficará na memória dos brasileiros. Como todos sabem, não é tarefa fácil, visto que os brasileiros não costumam ter memória, salvo para os títulos importantes dos seus clubes.

Desta vez, porém, não será pelo futebol nem pela música que marcaremos época. Nem sequer pela corrupção, que essa já se banalizou e não chama mais a atenção.

Roubar dinheiro público é tão enfadonho. Dias desses, nem manchete vai dar. Enfim, 2007 é o nosso ano miraculoso do cinema. Tivemos uma produção cinematográfica extraordinária. Em termos numéricos, a nossa safra de qualidade excepcional chegou à marca histórica e redonda de UM.

É algo que raramente conseguimos no passado. Resta saber se teremos condições de repetir a façanha no futuro imediato.
'Tropa de Elite' foi uma revolução total por razões absolutamente simples: foi visto por milhões de pessoas, em cópias piratas, antes mesmo de estrear.

Virou tema de conversa de bar. Falou da realidade brasileira e não do umbigo dos diretores. Acabou com o clichê de que um filme sempre deve ter um vilão e um herói para o espectador se identificar.

Interrompeu a infindável série de adaptações de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, Mario de Andrade, Machado de Assis, Clarice Lispector e Euclides da Cunha para as telas de salas vazias.

Ninguém suportava mais tanto sertanejo metafísico nem tanto corno em dúvida quanto ao que lhe colocaram na cabeça. Por fim, meteu o dedo na ferida da questão da violência ligada às drogas no Brasil, responsabilizando a classe média consumidora por alimentar essa cadeia perversa.

A virada foi tão grande que a patota dona do pedaço, formada por diretores filhinhos-de-papai e sustentados por leis de incentivo, considerou o filme fascista. Onde se viu um filme sem metalinguagem nem experiências radicais de câmera? Onde já se viu um filme que toma o lugar da mulher e da bola nos bate-papos de boteco?

Onde já se viu um filme que conta a história do ponto de vista da Polícia? Onde se viu um filme que não idealiza o bandido nem estigmatiza inteiramente o policial? Onde se viu um filme em que todo mundo é bom e mau, responsável e irresponsável, hipócrita e bem-intencionado ao mesmo tempo?

Os cineastas piraram. Insultaram José Padilha, o diretor de 'Tropa de Elite'. Tentaram mostrar-lhe que, ao final, deveria ter ferrado só o Bope e livrado a cara da garotada da zona Sul do Rio de Janeiro. Era assim.

Num filme brasileiro convencional, sem público nem conteúdo, mas com vários prêmios em festivais secretos, o traficante seria apresentado como vítima da sociedade injusta.

O consumidor teria absolvição imediata em nome da liberdade individual. Não é bacana tolher os impulsos da libertação da consciência. A Polícia ficaria com todo o ônus por representar a repressão, o Estado e o mal.

A mídia, tão maniqueísta e simplória quanto os nossos cineastas chiques, tratou de ver no capitão Nascimento, o protagonista de 'Tropa de Elite', um herói.

Foi preciso que o New York Times publicassse um longo artigo para restabelecer a verdade: 'Tropa de Elite' não tem heróis e dá um mergulho na (in)consciência brasileira.

Se Padilha continuar a filmar assim, será cada vez mais odiado, mas não pelos policiais nem pelos bandidos. Pelos colegas. Afinal, não é correto fazer filmes que falem a verdade.

juremir@correiodopovo.com.brx

Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana.

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