Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
12 de dezembro de 2007
N° 15446 - David Coimbra
Tempos heróicos
Éramos de turmas diferentes, Jakzam Kaiser e eu. Nossa adolescência, porém, foi parecida. A turma dele era aquela brabíssima da Praça da Matriz. Certa vez, em meio a uma briga, um de seus amigos armou-se de um pedaço de pau com pregos enfiados na ponta, tipo uma maça medieval.
Durante a luta, aplicou uma sarrafada no rosto de um dos inimigos, o guri ficou com o prego cravado nas gengivas, a boca virada numa couve-flor. Tiveram de arrancar o tacape, o coitado aos berros, sangue jorrando por todo lado, coisa medonha.
Nós também brigávamos em turma, nós do IAPI, mas nunca machucamos alguém seriamente. Nossos adversários tradicionais eram os chamados neguinhos da Frei Caneca, uma vila que existia entre a Plínio e a Anita, onde hoje se levantam prédios elegantes, um conjunto deles batizado, espetacularmente, de "Vergéis de Dona Matilde", adoro esse nome.
Vivíamos brigando com os neguinhos da Frei Caneca. Quem estivesse em maior número, batia; quem estivesse em menor, corria. Uma vez, pegamos um neguinho que estava zanzando sozinho na Industriários e o amarramos a um poste. Fizemos tortura apache com ele. Mas não foi nada grave, não houve sangue. No máximo, um pouco de humilhação.
Outra noite, eu, o Careca e o Fernando vínhamos caminhandinho pela Líbero Badaró e, da escuridão de uma esquina, saltaram 30 negões. Trinta! Ou talvez fossem uns 10.
Ou quem sabe seis. Seja. O fato é que eles nos deram um pau. Antes que entendêssemos o que estava acontecendo, antes que pudéssemos raciocinar, estávamos cercados, levando pernada, aqueles caras lutavam capoeira, é certo que lutavam.
Até que não apanhei muito, só uma bifa no lado da orelha. Quem ficou pior foi o Fernando, eles gostaram muito de bater no Fernando. Espancaram-no e o deixaram no meio-fio, todo amassado, parecendo o Recruta Zero depois de levar uma surra do Sargento Tainha.
Depois de dois minutos de violência concentrada, eles aproveitaram que vinha passando um ônibus da Bianchi, correram atrás e embarcaram. O ônibus se afastou com nossos algozes gritando das janelinhas:
- Seus bunda moooleeees! Brabeza.
Nós também íamos para a praia de carona, como a turma do Jakzam. Também furávamos nas festas, só que nos infiltrávamos nos Gondoleiros, e eles no Clube do Comércio.
O vô do Zé Fernandes, nosso centroavante artilheiro, trabalhava de porteiro no Gondoleiros, facilitava a nossa entrada. Um sábado, fomos à festa sem o Zé. Tentamos entrar assim mesmo. Chegamos no avô do nosso amigo e:
- Boa noite. Como vai o senhor? Nós somos amigos do Zé.
Ele nos encarou sem piscar:
- Zé? Que Zé? Zé Carioca?
Ficamos de fora aquela noite, velho safado.
Como nós, a turma do Jakzam dormia nos bancos da Avenida Emancipação, em Tramandaí, as mochilas feitas de travesseiros. Como nós, eles levavam atraques da polícia, vadiavam pela noite porto-alegrense, corriam atrás de loiras, morenas, negras, ruivas, japonesas, búlgaras, todo dia, em toda parte.
Li as histórias do Jakzam em seu livro, "Tempos Heróicos", lançado na última Feira. Jakzam o escreveu durante 20 anos, anotou suas aventuras com paciência e honestidade raras.
Terminou compondo o registro de uma época intensa e tão festejada hoje em dia, os anos 80, vividos em Porto Alegre. Quem é desta cidade, quem se interessa por esta cidade, quem estava vivo nos anos 80 precisa ler o livro do Jakzam.
Jakzam pingou o ponto final em seu relato ao se transferir para Florianópolis, para trabalhar no Diário Catarinense. Nossa trajetória é semelhante inclusive aí. Nós dois fizemos a Famecos e fomos para o DC.
Só que fui um pouco antes, ele ficou aqui, no Esporte da Zero, de setorista do Grêmio. Foi quando aconteceu o que me motivou a escrever essa crônica, além, é claro, da intenção de recomendar o livro. É que Jakzam, um colorado militante, tornou-se gremista! Poderia ter sido o contrário, um gremista transformar-se em colorado, tanto faz.
O interessante foi que o profissional sufocou o torcedor. Assim é na maioria das vezes.
Impossível o profissional não se deixar contagiar pela luta, pelas angústias, pelas aspirações do grupo que ele acompanha a cada dia. Ou então, simplesmente, o profissional se torna amorfo.
O torcedor morre em sua alma. Para ele, não faz mais diferença quem ganha ou quem perde, ele sabe que, ao fim e ao cabo, tudo e todos são iguais. E assim é: no futebol, todos são iguais.
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