sábado, 8 de dezembro de 2007



09 de dezembro de 2007
N° 15443 - Moacyr Scliar


Grandes atrizes: a vida e o mito

A vida não tem piedade de ninguém, nem mesmo das celebridades. Daí a obsessão pelo mito

Na TV, as grandes atrizes nos convencem pela veracidade. Porque a novela é basicamente isso: a vida cotidiana, mais um pouco de imaginação. O que vemos na tela é uma projeção, um pouco enfeitada, do nosso dia-a-dia.

Prova disso é o poder decisivo do Ibope, cujo peso Aguinaldo Silva conhece bem: o texto televisivo tem de dizer aquilo que os telespectadores esperam, e estamos conversados.

O teatro não. O teatro é teatral. O teatro, Sófocles ou Shakespeare disso sendo exemplos, não precisa ser um retrato de nossa época nem precisa usar nossa linguagem coloquial.

Ao contrário, o que esperamos do teatro é aquilo que não costumamos ouvir no cotidiano. Estamos em busca de idealização, de transcendência. Resultado: o triunfo no palco catapulta atores e atrizes para uma outra dimensão, para a dimensão do mito.

Tornam-se figuras lendárias, às vezes objeto de um verdadeiro culto. Comprova-o um episódio famoso da história do Brasil, protagonizado por ninguém menos que Castro Alves e Tobias Barreto.

Baiano de nascimento, Castro Alves estudou Direito no Recife, isso por volta de 1864. A capital de Pernambuco era já uma metrópole e contava com teatros famosos, que polarizavam a vida social, freqüentados que eram pela aristocracia pernambucana, por estudantes universitários e pelas moças casadoiras.

As preferências por esta ou por aquela atriz dividiam os jovens, com a formação de torcidas tão exaltadas quanto as do futebol de hoje.

Havia dois grupos principais: um, liderado por Tobias Barreto, depois famoso jurista e poeta, venerava a atriz Adelaide Amaral; o outro, tendo à frente Castro Alves, idolatrava Eugênia Câmara.

Esse tipo de paixão só pode se manter enquanto a mulher adorada está distante, enquanto é inatingível. Mas Castro Alves acabou conquistando Eugênia Câmara, 10 anos mais velha que ele. E aí foi uma desgraça.

Os dois passaram a viver juntos. No começo, corria tudo bem; Castro Alves traduzia as peças estrangeiras que Eugênia interpretaria e até escreveu um texto especialmente para sua diva.

E aí surgiram os problemas. Ciúmes, claro. Castro Alves não podia ver a amada rodeada de admiradores, que a convidavam para festas e lhe enviavam flores.

As brigas se sucediam, e Eugênia teve de cancelar uma turnê pelo sul, que faria sem a companhia de Castro Alves. Foram morar em São Paulo; as brigas continuavam, e Eugênia terminou por deixá-lo.

Um dia, para espairecer, Castro Alves foi caçar nos arredores da cidade e literalmente deu um tiro no pé, quando a espingarda que carregava disparou acidentalmente.

A perna teve de ser amputada; o estado geral do jovem poeta, que era tuberculoso se agravou muito e ele acabou falecendo aos 24 anos de idade.

"Quero que me deixem sozinha", foi a frase de uma famosa diva das primeiras décadas do século passado, a atriz sueca Greta Garbo. Garbo não dava entrevistas, não concedia autógrafos, não ia a festas ou lançamentos.

Em determinado momento, deixou a vida pública. E isso, como se pode imaginar, só fez reforçar a mística em torno à sua figura.

Pergunta: o que faz uma mulher assim, uma verdadeira lenda viva, quando já não está mais nos palcos ou nas telas? Estará no céu ou no inferno?

Provavelmente está no limbo. Podemos imaginá-las, essas divas, nas suas gigantescas mansões, olhando seus velhos filmes, folheando álbuns de fotos esmaecidas.

A vida não tem piedade de ninguém, nem mesmo das celebridades. Daí a obsessão pelo mito. O mito é eterno; o mito não tem idade, não tem rugas, não tem frustrações. Claro, mitos não existem. Mas isso é apenas um detalhe, não é mesmo?

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