sábado, 8 de dezembro de 2007



09 de dezembro de 2007
N° 15443 - David Coimbra


Um homem é um clube

O clube irmão do Grêmio é o Fluminense. Clubes de sangue azul - o Grêmio, literalmente. No campo, não. No campo, o clube irmão do Grêmio, no Rio, é o Vasco, com seu futebol pragmático, não-carioca, futebol de resultados. O Vasco é o time mais gaúcho do Rio.

O Grêmio é o anti-Flamengo; o Flamengo, o anti-Grêmio. O jogador, quando veste a camisa do Flamengo, algo lhe acontece, ele se transforma, sai dando de trivela, matando no peito, passando de calcanha. Pode ser o maior grosso.

O Jamir. No Grêmio, o Jamir era um dobermann com dor de dente vigiando a área. Era feroz, era marcador, mas só.

Não sabia dar um passe daqui ali, jamais tentou o drible, a bola se lhe escapava, quando pretendia dominá-la. Ao se transferir para o Flamengo, bastou enfiar a camisa vermelha e preta pela cabeça, começou a bater nela de charles. Como pode? Pois é.

O contrário também. Quer ver? Paulo César Caju. Ninguém mais clássico, mais carioca do que Paulo César Caju. Foi vestir azul, preto e branco, foi pisar no Olímpico, que corria, que até marcar, marcava.

Mas, curioso, o Inter não é Flamengo. O Inter é Botafogo. Um Botafogo perfeito. Inter e Botafogo são a explosão do gênio, o virtuosismo, o talento puro combinados com certa anarquia trágica tipicamente brasileira. Até em seus jogadores-símbolo Inter e Botafogo se assemelham.

O Inter é Tesourinha, o Botafogo é Garrincha. Dois pontas, dois gênios.

Garrincha é um Botafogo escritinho, um jogador inverossímil, de história tão gloriosa quanto caótica e, sobretudo, de final dramático. O Botafogo é afeito ao drama. Tanto quanto o Inter.

O desfecho da vida de Tesourinha não foi atribulado como o de Garrincha. Sua trajetória, sim.

Era o maior craque do Inter de todos os tempos, saiu do clube acusado de ser o responsável pela derrota de 1949, transferiu-se para o Rio, lesionou-se, foi cortado da Copa de 50 e, quando já parecia acabado, voltou para Porto Alegre a fim de quebrar o vergonhoso preconceito racial que vigorava no maior rival do seu time do coração.

Alguns colorados jamais perdoaram Tesourinha, alguns gremistas jamais o aceitaram, todos o admiraram.

O Inter teve os dois maiores times do Estado, o Rolo e o dos anos 70. Em compensação, atravessou longos períodos de dor, como as duas décadas nas trevas que começaram depois do título de 1979. O Inter é Tesourinha.

O Grêmio? Foguinho. O próprio Foguinho admitia que não era um grande jogador; era um esforçado. Foguinho valia-se de algumas características tipicamente gremistas. Uma, a força física.

Na manhã do domingo 22 de setembro de 1935, Foguinho foi cedo para as franjas do Rio Guaíba, acomodou-se em uma canoa e venceu o campeonato de remo da cidade.

Voltou para casa, almoçou, descansou uma hora e tomou o bonde para a Baixada, onde terminaria o dia como o herói do Gre-Nal Farroupilha, título tão importante que o clube decidiu comemorar durante os cem anos seguintes.

Outras características gremistas de Foguinho: a dedicação, a paixão. Não se treinava, na época de Foguinho. Não como hoje. Não diariamente. Mas Foguinho queria treinar a semana inteira, embora trabalhasse na Camisaria Aliança, na Rua da Praia. Solução?

O Grêmio instalou iluminação na Baixada. Assim, o Grêmio foi, em 1931, o primeiro clube do Rio Grande a ter iluminação em seu estádio. Só para Foguinho treinar, enquanto seus outros colegas jogadores fruíam a noite da cidade.

Então, o Grêmio, mais coração do que virtude, é Foguinho. O Flamengo, Zico e sua habilidade pura. O Vasco, Roberto Dinamite e seu jogo de centroavante agauchado. O São Paulo, o assexuado e talentoso Kaká. O Palmeiras, o acadêmico Ademir.

O Atlético Mineiro, tão grande e desventuroso, é Toninho Cerezzo, o ex-palhaço, um craque consumado, mas que passou para a história mais por um erro do que por seus tantos predicados.

E o Cruzeiro, claro, é Tostão, um médico, um fidalgo, um cavalheiro. Homens que são iguais a seus clubes. E que fizeram seus clubes iguais a eles.

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