quarta-feira, 5 de dezembro de 2007



05 de dezembro de 2007
N° 15439 - David Coimbra


Um clube é um homem

Bem branco, Marcos Carneiro de Mendonça. A pele chegava a ser translúcida. O bigodinho ralo era menos do que ralo; não passava de um buço. Observava o mundo com o olhar melancólico dos poetas parnasianos, tinha a lhe envolver uma aragem doentia. Que correspondia à realidade.

Marcos de Mendonça foi um menino enfermiço, tanto que os médicos lhe vetaram os exercícios físicos. Naquela época era assim, havia uma crença de que a atividade física fazia mal à saúde. O sujeito sentia-se mal, recomendavam-lhe repouso completo, ar da Serra, gemada.

Marcos de Mendonça não podia correr, portanto. Não podia se esforçar. Mas gostava de futebol, queria jogar bola. Que fazer? Decidiu pegar no gol e, no gol, se consagrou. Tornou-se o símbolo do Fluminense.

Aí é que está. Marcos de Mendonça era o próprio Fluminense. Mario Filho descreveu-o desta forma no seu clássico O Negro no Futebol Brasileiro:

"Marcos de Mendonça de camisa mousseline, brilhando como seda, de faixa roxa, de chuteira toda amarrada. Cantava-se pelas ruas o Marcos de Mendonça, fitinha roxa."

Isso da fitinha roxa porque na época o elástico ainda não tinha sido inventado. Para prender os calções, só com barbante, corda, cinto de couro. Marcos de Mendonça jogava com um cinto importado, sem a fivela de metal que poderia machucar os adversários.

Um dia, rompeu-se o cinto, ninguém sabia consertar o cinto. Marcos de Mendonça deu um jeito amarrando os calções com uma fitinha roxa. Todo mundo achou o máximo, o Marcos de Mendonça era mesmo muito elegante, muito fino.

O resultado da repercussão foi ele adotar a fitinha roxa. Nunca mais o Marcos de Mendonça jogou sem a fitinha roxa atada à cintura.

É o que digo: há jogadores que imprimem sua personalidade no clube em que jogam. Ou que assumem a personalidade do clube. Marcos de Mendonça representava o Fluminense, sempre representará.

Não só porque foi um grande jogador, titularíssimo do Seleção Brasileira, inventor do que se chamava "pegada à Marcos de Mendonça". Não. Até porque o melhor jogador da história do Fluminense foi outro, Roberto Rivellino, o Patada Atômica.

Rivellino, aliás, foi o melhor jogador de dois dos 12 grandes clubes do Brasil: do Flu e deste Corinthians que ora refocila, chafurda e espadana na segunda divisão.

E do Corinthians, sim, Rivellino foi o símbolo. Porque Rivellino era grande, como grande é o Corinthians, e, como o Corinthians, cingia-lhe uma aura de tragédia.

A maior façanha do Corinthians foi sua maior desgraça: ter permanecido 22 anos sem arrebatar um único título. Em parte desses 22 anos, lá estava o Riva, o Garoto do Parque, justamente ele, seu maior craque.

Em 1974, o Corinthians decidiu o Paulistão com o Palmeiras. Perdeu, e Rivellino foi acusado de ser o responsável pela derrota. Foi quando o Fluminense o contratou.

Lembro da estréia do Rivellino no Fluminense, exatamente contra o Corinthians. O Fluminense enfiou quatro gols no Corinthians, e Rivellino marcou dois, foi o melhor em campo.

No Fluminense, Rivellino exerceu seu futebol plástico, fez gols com seu chute tão violento quanto preciso, transformou um pontinha mediano, Gil, em atacante da Seleção na Copa do Mundo, e mais: ganhou campeonatos e alçou o time a duas semifinais do Brasileirão.

Então, o trágico se manifestou novamente. Na semifinal de 1975, Caçapava fez marcação especial sobre ele e não lhe deixou espaço para jogar.

Naquela partida histórica, o Inter inventou o volante brucutu. Uma ironia, o Inter sempre foi o time dos virtuoses. Mas é fato. Antes daquela decisão, os volantes eram o Dino Sani, o Clodoaldo, o Falcão. Depois, Caçapavas.

Não que Caçapava fosse um ruim. Não era. Mas, segundo ele mesmo me disse, sua função consistia em tomar a bola do adversário e dar um passe de metro e meio para o Carpegiani ou para o Falcão, que saberiam o que fazer com ela.

Desempenhava tão bem essa função que a sublimou. Depois de Caçapava, o volante, de um distribuidor de jogo, passou a ser um cão de guarda. Um limpa-trilhos. Um mero destruidor de jogada.

Em 1976, lá estava o Fluminense de Rivellino outra vez decidindo vaga na final com... o Corinthians! Jogo no Maracanã, mas com a torcida do Corinthians em maioria no estádio.

Chovia muito. Mas muito. O campo embarrado dificultava o futebol macio do Riva. Acabou em empate. Decisão por pênaltis.

Rivellino não chutava pênalti. Tinha o chute mais poderoso do planeta, mas não gostava de cobrar pênalti. Negou-se a bater. O Fluminense perdeu, e ele foi responsabilizado pela derrota. Grande e trágico, Rivellino. Como o Corinthians.

Vou falar dos outros clubes. Vou falar do Grêmio e do Inter. Mas na próxima coluna.

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