sábado, 1 de dezembro de 2007



02 de dezembro de 2007
N° 15436 - Luis Fernando Verissimo


Bandeira

Bandeira fez um único gol pelo Internacional. Mas desses que não se vêem mais, de entrar com bola e tudo. E depois sumiu

Lembro que o jogador se chamava Bandeira. Tinha recém sido contratado pelo Internacional e no seu primeiro jogo pelo time principal fez um gol sensacional.

Daqueles que a TV repete e repete e correm mundo. Driblou toda a defesa adversária, driblou o goleiro e - a frase suprema, no vocabulário pronto do torcedor entusiasmado - "entrou com bola e tudo". Hoje não se usa muito entrar com bola e tudo.

Mesmo depois de passar pelo goleiro, com nada entre ele e o fundo do gol, o jogador prudente prefere chutar a entrar com bola e tudo. Não só para prevenir contra a chegada de algum desesperado de última hora no seu calcanhar, mas porque "entrar com bola e tudo" adquiriu um certo ar de acinte, de desrespeito ao adversário.

Entrar com bola e tudo equivale a dar as costas para o touro cansado, que é quando o toureiro acrescenta a humilhação a todas as outras agruras do bicho.

Mas o Bandeira entrou no gol com a bola e só a chutou quando ele mesmo já se misturava com a rede, lá no fundo. Aliás, acho que foi a última vez que vi alguém entrar com bola e tudo daquele jeito. Consagração.

No resto do jogo, o Bandeira não fez mais nada. No resto da sua passagem pelo Internacional, o Bandeira não fez mais nada. Durante algum tempo, ia gente ao estádio só para ver o Bandeira fazer outro gol como aquele.

Era o Bandeira receber a bola e passava um arrepio audível de antecipação pela platéia. É agora! Mas o Bandeira nunca mais fez um gol parecido. O Bandeira nunca mais fez um gol de espécie alguma, no Internacional.

Quando se convenceram de que ele não tinha outra coisa a contribuir ao time, que sua contribuição se resumira naquele gol, o Bandeira foi para a reserva. Ficava no banco.

Por algum tempo, toda vez que o técnico mandava o Bandeira se preparar para substituir alguém, passava o mesmo frisson pela torcida. Talvez agora! Mas depois, nem isso. Depois, nem no banco o Bandeira ficava, e quando ficava era vaiado. Foi vendido.

Não sei que fim levou o Bandeira. Nunca mais ouvi falar nele. Não deve mais estar jogando, essa história é antiga. E também não sei se ele trocaria aquele único gol com bola e tudo por muitos gols normais, que talvez lhe assegurassem uma carreira mais estável, ou se a glória daquele momento compensava tudo, até um fim anônimo. Quem pode dizer?

Se já é difícil entender as pessoas, o que dirá os centroavantes.

ESTEREOTIPAGEM

Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipagem. Por exemplo, você pode imaginar um jogador de futebol dizendo "estereotipagem"? E, no entanto, por que não?

- Aí, campeão. Uma palavrinha pra galera.

- Minha saudação aos aficionados do clube e aos demais esportistas, aqui presentes ou no recesso dos seus lares.

- Como é? - Aí, galera. - Quais são as instruções do técnico?

- Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de meios e extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea do sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da ação.

- Ahn? - É pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça.

- Certo. Você quer dizer mais alguma coisa?

- Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas? - Pode.

- Uma saudação para a minha progenitora.

- Como é? - Alô, mamãe! - Estou vendo que você é um, um...

- Um jogador que confunde o entrevistador, pois não corresponde à expectativa de que o atleta seja um ser algo primitivo com dificuldade de expressão e assim sabota a estereotipagem?

- Estereoque? - Um chato? - Isso.

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