sábado, 1 de dezembro de 2007



01 de dezembro de 2007
N° 15435 - Cláudia Laitano


Serra Leoa

Em uma reunião com ministros e políticos locais esta semana em Vitória, Lula nos saiu com esta: "Melhor que este Natal, só o que nasceu Jesus Cristo".

Como a frase nos chegou sem muito contexto (a declaração parece ter sido a única notícia relevante que saiu da reunião) não fica claro a que esfera geográfica o presidente se refere.

Qual será o tamanho do otimismo presidencial? Falava da humanidade, do mundo cristão, do Espírito Santo, do pessoal lá de casa?

Não que faça muita diferença - a gente sabe que a frase não era para ser levada a sério, apesar de ter sido dita pelo presidente da República em uma ocasião oficial - mas é provável que Lula se referisse a este mesmo Brasil em que eu e você vivemos e que esta semana foi incluído no grupo dos países com o mais alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo.

É de uma ironia macabra que esse espasmo de otimismo estatístico, provocado por um suadíssimo 70º lugar no ranking do IDH, tenha dividido as manchetes esta semana com os desdobramentos do caso da prisão de uma menor em uma cela masculina no Pará.

Parafraseando a grandiloqüência do presidente, podemos dizer que nunca "na história desse país" se viu o Estado descer tão abaixo da linha da civilização. A notícia de que uma menina, L. , aparentando menos ainda do que seus 15 anos, ficou presa durante pelo menos 20 dias em uma cela com 20 homens já seria chocante se fosse um fato isolado.

Mas não é. Ao longo das duas últimas semanas, o Brasil que puxa o IDH para cima, esse em que eu e você vivemos e que está mais perto da Islândia do que de Serra Leoa, ficou sabendo de coisas assombrosas que acontecem lá no lado de baixo das estatísticas.

Há pelo menos 11 anos, o Movimento das Mulheres do Campo e da Cidade (MMCC) alerta sobre episódios semelhantes no interior do Pará. Em 1996, o movimento denunciou o caso de uma mulher de 40 anos, acusada de matar o marido, que dividiu a cela durante sete meses com 35 homens.

Ela acabou sendo inocentada pelo crime, mas a sindicância para apurar a denúcia de ter sido várias vezes estuprada em uma prisão masculina foi arquivada - não era "de menor", o que, no raciocínio canalha de algumas autoridades, parece ser um atenuante.

Aparentemente, todo mundo sabia, inclusive a governadora, que isso era comum no Pará. "É uma prática lamentável, que, infelizmente, já acontece há algum tempo", admitiu a governadora Ana Júlia Carepa.

Outro relatório produzido por entidades brasileiras de defesa das mulheres e entregue à OEA em março mostrou casos de prisões mistas no Rio Grande do Norte, na Bahia, no Rio e em Pernambuco.

Mulheres que rompem o silêncio e a indiferença denunciando crimes como esses são, às vezes, a única esperança de meninas como L. num país em que o Estado, às vezes, não só é ausente, mas selvagem e brutal.

É preciso pensar nessas mulheres essenciais, as que lutam por direitos tão básicos que nem nos ocorre pensar neles aqui no Brasil de IDH reluzente, para esquecer que L. foi presa por uma delegada, mantida na prisão por uma juíza e ignorada por uma governadora.

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