sábado, 15 de março de 2025



15 de Março de 2025
COM A PALAVRA

COM A PALAVRA

Paulinho da Viola - Decano do samba e da MPB, e autor de clássicos como Foi Um Rio que Passou em Minha Vida, acumula seis décadas de carreira e 82 anos de vida

"Muitas vezes me vi em situações de acordar com uma melodia na cabeça"

Nome fundamental do samba, Paulinho da Viola volta a Porto Alegre neste sábado, para show no Araújo Vianna. Na entrevista, fala sobre o processo de criação, analisa transformações no Carnaval e comenta a relação com os gaúchos Lupicínio Rodrigues e Radamés Gnattali.

Pedro Garcia

Passado mais de um século, o senhor acha que o samba consegue se renovar? Há coisas novas surgindo?

Acho difícil falar em renovação. As gerações sempre vão sofrendo influência do seu universo naquele momento. É difícil falar que uma coisa é absolutamente nova, embora isso possa acontecer. Em 2014, fui tocar com uma orquestra na Holanda e, para minha surpresa, descobri que havia uma escola de choro lá. Quando fui ao Japão, em 1986, conheci grupos que faziam samba. Esses grupos vão renovar o samba? Pode até ser. Com certeza tem muita coisa interessante acontecendo.

Em Argumento, de 1975, o senhor pedia cautela em relação a experimentações na forma de fazer samba. Isso ainda lhe incomoda?

Na época, havia na Portela um certo assédio porque outras escolas estavam apresentando sambas diferentes daquilo que se fazia - aqueles sambas muito grandes, mais lentos e cadenciados. Começaram a aparecer sambas mais vibrantes, de andamento mais rápido. Quando fiz esse samba, foi por isso. Tanto que logo depois houve uma cisão na Portela e algumas pessoas se afastaram. Eu mesmo fiquei anos sem sair na escola.

O senhor tem uma história longa na Sapucaí. O Carnaval mudou muito?

Peguei uma época em que as escolas podiam desfilar pelo tempo que quisessem. Depois, passou a ter um tempo determinado. Isso mudou o andamento porque, se você tem que passar dentro de um tempo, naturalmente você acelera o ritmo. Antigamente, o samba era uma coisa tão importante dentro de uma escola que alguns entraram para a história. Aí começaram a aparecer efeitos especiais, tecnologia, as alegorias passaram a ter uma importância enorme.

Algumas vezes há críticas quanto a um suposto excesso de luxo e pirotecnia nos desfiles. O senhor sente isso?

Houve uma época em que eu sentia. Não sei se é porque estávamos muito ligados a uma ideia mais tradicional, dos grandes sambas que o povo todo sabia. Mas ainda na década de 60, um amigo me disse que as escolas precisam mudar, porque senão viraria uma coisa de folclore.

? Há um samba seu, 14 Anos, no qual o senhor conta que queria ser sambista mas seu pai tentava demovê-lo da ideia. Isso aconteceu mesmo?

Meu pai nunca fez pressão para que eu fizesse isso ou aquilo. Como todo pai, dizia que eu tinha que estudar. Quando percebeu que eu era muito ligado no que ele fazia, arrumou um professor para me dar aulas de violão. Mas na verdade, esse samba não foi feito para falar só da minha história. O Jacob (do Bandolim) gravou dezenas de discos, tocou em tudo o quanto é canto, mas dizia: "sou escrivão de Justiça". Muitos músicos tinham outra profissão para poder sobreviver.

E o senhor chegou a trabalhar como bancário, não?

Claro. Trabalhei em outros lugares também. Eu não tinha muita certeza que ia continuar como músico. No início, tocava sozinho. Aí comecei a mandar músicas para os festivais. Só senti necessidade de formar grupo quando tive o primeiro sucesso, Foi um Rio que Passou em Minha Vida. Essa música estourou no Carnaval de 1970 e eu passei a ser muito solicitado.

O senhor é muito reconhecido como compositor e letrista. Como surge uma canção nova?

Muitas vezes me vi em situações de acordar com uma melodia na cabeça. Ou então, estava dirigindo e de repente me via cantarolando uma coisa. Uma ocasião, recebi uma melodia do Elton (Medeiros) e não conseguia fazer a letra. Ele me ligava e dizia: "Rapaz, o disco tá acabando, cadê a música?" (risos). Aí eu sentei perto da cama, peguei um gravador de fita, e sabe o que aconteceu? De repente, comecei a fazer uma outra letra, com outra melodia que não tinha nada a ver com aquilo. Aí, quando voltei para a música do Elton, consegui fazer a letra. Sou intuitivo, não tenho muito método.

Apesar de intuitivo, consegue reconhecer quais foram suas principais influências?

Tenho certeza que minha música foi muito influenciada pelo choro. Eu ouvia muito Jacob do Bandolim. Pixinguinha, até hoje, de vez em quando eu preciso ouvir. Mas Cartola, com quem eu convivi, Nelson Cavaquinho, o próprio Elton, Zé Keti, acredito que eu tenha sofrido influência dessa turma também.

O senhor nunca escondeu a admiração pelo Lupicínio Rodrigues. Uma música dele, Nervos de Aço, dá nome a um disco seu. Como surgiu essa relação?

Meu pai reunia muito os amigos. E eles cantavam músicas de grandes artistas, como Silvio Caldas, Francisco Alves, Orlando Silva, Ciro Monteiro, Roberto Silva. E, na minha infância, Lupicínio era um sucesso no Brasil inteiro. Se você for falar em samba-canção, não pode esquecer de Lupicínio.

O senhor também fez uma música em homenagem a outro músico gaúcho, Radamés Gnattali.

Esse era um gênio. Até hoje tem músicos assumidamente influenciados por ele. Na década de 70, quando houve uma volta da música de choro e vários clubes foram fundados no país, me ocorreu a ideia de fazer um choro. Quando concluí, achei que na terceira parte tinha ficado um pouco parecido com o jeitão do Radamés. Quando fui gravar um especial da Globo, decidi convidá-lo para tocar comigo esse choro, que chamei de Sarau para Radamés.

Muitas canções antigas hoje são contestadas por conta de vieses machistas e racistas nas letras. É um revisionismo correto ou há exagero?

Em alguns casos, pode haver exagero. Em outros, não. Em determinada época, era normal você fazer uma piada de cunho racista. Mas essas coisas perderam o sentido, então os artistas evitam. E não acho nada radical, é algo muito importante.

O senhor está com 82 anos e segue muito ativo. Parar está no seu horizonte?

Não penso nisso. Todo mundo tem seu tempo e, quando chega o tempo de parar, tem que parar. Mas é algo que você sente. Naturalmente, você não tem a mesma pegada de quando tinha 20, 30 ou 40 anos. Para mim, a coisa mais complicada é viajar de avião (risos). Tanto que peço sempre para viajar não um dia antes, mas dois, para poder descansar. São coisas que, provavelmente, um jovem enfrenta tranquilamente. 

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