quinta-feira, 3 de dezembro de 2020


03 DE DEZEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Como acabar com as discussões nas redes

Estava vendo um filme com meu filho, nós dois aboletados no sofá da sala. Em certa cena, a protagonista diz o seguinte, a respeito de outro personagem:

- Ele é um idiota estúpido!

Meu filho contraiu as sobrancelhas.

- Idiota estúpido? - estranhou. - Como assim, "idiota estúpido", papai? Não é a mesma coisa?

Eu, sem tirar os olhos da TV:

- Sim, são sinônimos.

- Então, por que ela disse idiota estúpido? Se ela disse isso, é porque tem diferença entre o idiota e o estúpido, não é?

Eu, tentando ouvir o que se falava no filme (e não conseguindo):

- É...

- Então, me diz - prosseguiu ele, para meu desespero. - O que é pior? Ser idiota ou ser estúpido? O estúpido é um burro, não é? E o idiota?... O que é o idiota, papai? É só uma pessoa ignorante? Ou é um burro também? Hein, papai?

- São sinônimos! - repeti, esforçando-me para compreender uma cena importante que se desenrolava no filme (e não conseguindo). - Sinônimos! Cristo!

- Mas eles têm de ser diferentes. Porque, se são sinônimos, é como se ela falasse: "Ele é um idiota idiota". Ou: "Ele é um estúpido estúpido". Não faz sentido, papai...

- Deixa eu ver o filme, guri! - esbravejei, definitivamente irritado.

Ele se se encolheu no sofá. Murmurou:

- Tá bem, tá bem...

Suspirei, aliviado. Mas sabia que ele não estava satisfeito. Ele se remexeu um pouco, coçou a cabeça, coçou o queixo. E arremeteu:

- Será que não seria melhor ela dizer "ele é muito estúpido?" Ou: "Ele é muito idiota?"

Percebi que ele não ia desistir. E que eu não conseguiria assistir ao filme, se não resolvesse aquela maldita dúvida. Tirei os olhos da TV. Olhei para ele. Sentenciei:

- Tu está certo, guri: o idiota é um ignorante, um cara que não sabe das coisas por falta de informação e cultura. O estúpido é um burro, uma pessoa com dificuldades pra compreender as coisas, mesmo que seja informado sobre elas.

- Ah... - ele sorriu, contente, afinal.

Então, jogou a concentração na luz da TV. Eu também. Graças a Deus. A ação foi em frente no filme. De repente, a protagonista disse para uma amiga:

- Eu o amo, mas não posso viver com ele.

Estremeci. Achei que a contradição poderia açular outra vez a curiosidade do guri. Não deu outra. Ele se empertigou o sofá:

- Por que ela não pode viver com ele, se ela o ama?

Respirei fundo. Olhei para ele:

- Não está na hora do teu banho?

Ele pensou por cinco segundos.

- Deixa eu terminar de ver o filme - respondeu, grudando os olhos na tela.

E a paz, enfim, se instaurou na sala de estar.

Como consegui essa façanha? Usando a técnica que aprendi para acabar com as discussões nos grupos de WhatsApp e nas redes sociais: quando você sentir que a polêmica vai começar, fale de outro assunto, algo que seja levemente incômodo para o candidato a debatedor. Ele vai parar de incomodar, pelo menos por algumas horas. O mundo virtual pode ser útil na vida real.

DAVID COIMBRA

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