terça-feira, 7 de julho de 2020


07 DE JULHO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

A FARRA DO JETON



O enterro da velha política, o fim do toma lá da cá, a modernização da administração pública e privatizações aceleradas foram algumas das promessas do então candidato Jair Bolsonaro. Aos poucos, uma a uma, caem por terra. A venda de estatais, que poderia chegar ao número mágico de R$ 1 trilhão, de acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, até agora se limitou à alienação de participações e subsidiárias das grandes companhias controladas diretamente pela União. O governo federal não apenas decepciona nas desestatizações com que havia se comprometido, com resultados pífios ainda antes da chegada do novo coronavírus, como aderiu de corpo e alma à prática de gestões anteriores e usa as empresas para inflar os ganhos de ministros e aliados políticos com gordos jetons pelas duas indicações para os conselhos fiscal e de administração.

Um levantamento do jornal O Estado de S.Paulo mostrou que, em todo o ano passado, o pagamento de jetons chegou a R$ 18 milhões e, em 2020, até abril, a R$ 5 milhões, recursos divididos entre 333 civis e 12 militares, sendo 10 da ativa. A prática não é ilegal, é preciso ressaltar, mas moralmente questionável, entre outros fatores, por fazer com que muitos servidores acabem conseguindo ultrapassar os limites salariais na administração pública.

A situação é ainda especialmente constrangedora para um governo que se elegeu alegando durante a campanha que adotaria práticas diversas às de gestões anteriores. Mas, pelo contrário, segue um modelo nefasto de trocas de favores e uso de artifícios para remuneração extra para parte do primeiro escalão, muitos sendo regiamente pagos para opinar sobre assuntos que nem sequer dominam. Assim, segue intacto o fisiologismo cevado com recursos suculentos de uma enorme quantidade de estatais. São nada menos do que 197 empresas controladas diretamente ou com participação majoritária da União, e muitas delas nem conseguem gerar as receitas necessárias para arcar com seus custos. Mesmo assim, representam significativos espaços para arranjar um lugar para parceiros que apenas vez por outra precisam participar de alguma reunião dos conselhos onde têm assento.

Essa festança, em parte bancada com o dinheiro do contribuinte, ajuda a explicar a inércia do governo Jair Bolsonaro em endereçar com a seriedade e a determinação necessárias a privatização ou extinção de uma série de empresas públicas. Além de acomodar amigos, correligionários e apoiadores eventuais em pouco exigentes cargos, ministros e presidentes usam os famigerados jetons como moeda de troca política. Nada mais velho e anacrônico na República do Brasil. E, infelizmente, atual.

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