sábado, 4 de julho de 2020



04 DE JULHO DE 2020
FLÁVIO TAVARES

ENGANAR É LEMA

As grandes tragédias alteram de tal forma a visão da vida e os critérios da História, que é difícil prever o que virá depois delas.

A ideia, ou esperança, de que as agruras da covid-19 nos farão mais solidários pode ser uma bela profecia, mas, também, só um devaneio ou sonho. Os horrores da História foram sempre dúplices. Geraram gestos e hábitos coletivos de compreensão e, até, de ternura, mas também abriram caminho à maldade do oportunismo.

Sem pessimismo mas com o realismo dos fatos, basta o dia a dia atual para observar que a expansão do coronavírus criou uma confusão que abarca desde incompreensíveis aumentos de preços em alimentos e produtos essenciais até "descobertas" de falsos medicamentos de cura, além do desdém do governo federal. Vivemos num "salve-se quem puder", que a TV, o rádio e a imprensa tentam atenuar indicando cuidados para evitar o contágio.

Essa mensagem otimista, porém, não consegue barrar a volúpia de enganar o próximo aproveitando-se da situação de fragilidade que chega a todos.

O súbito aumento de preço dos alimentos nem sequer remunera o sacrifício dos produtores (grandes ou pequenos) que se expõem ao contágio para que nada falte em nossa mesa, mas se esvai em interminável intermediação. Pode ser inconsciente, até, mas é um jeito de enganar.

Há, ainda, as consequências do necessário isolamento atual numa sociedade habituada a não estar só nem a conviver no lar.

Agora, a investigação policial crê que o isolamento "tem a ver", também, com a morte do menino Rafael, de 11 anos, provocada pela própria mãe, num tosco surto psicótico. O horror da cidade de Planalto supera todos os crimes. Conhecia-se o parricídio, não o inverso. Lembro-me, nos anos 1950, de um caso em Bento Gonçalves, em que os filhos envenenaram os pais. Ou do casal Von Richthoffen, anos atrás em São Paulo, mortos pela filha por pressão do namorado "para desfrutar da herança".

Tudo partiu do engano, que constrói a maldade sem que se perceba. O engano não pode ser o lema a nos guiar agora nem, especialmente, após a pandemia.

A demissão do terceiro ministro da Educação do governo Bolsonaro, antes de tomar posse, mostra a orgia de enganos cometidos na área federal.

Recebido ao início com elogios, seu currículo mostrou apenas um reles mentiroso, que não tinha o doutorado nem o pós-doutorado que inventou ter feito na Argentina e na Alemanha. Seus trabalhos de tese na respeitada FGV eram plágios, copiados, até, de análises do nosso Banrisul sobre a situação financeira do país.

Penso nas realizações do grande Darcy Ribeiro, ministro da Educação no início do governo deposto em 1964, e comparo com os dias atuais, em que enganar é o lema.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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