JOÃO ANGELO OLIVA NETO - ESPECIAL
PARA A FOLHA
Autor e tradutor fundem-se em livro de
poesia
Tradução de Haroldo de Campos
revela os escritos de Konstantinos Kaváfis para além das correntes literárias
"Poemas de Konstantinos
Kaváfis", em tradução de Haroldo de Campos (1929-2003), é um pequeno livro
de poemas, mas um grandíssimo livro de poesia, tanto do poeta como do
tradutor-poeta.
É também uma lição editorial da
Cosac Naify de como fazer um livro delicado, ele mesmo um livro-poema.
Precedidos de "O
Alexandrino", poema do próprio Haroldo, o livro contém 16 textos completos
e três fragmentos do poeta grego, a que seguem pequeno ensaio do tradutor e uma
"Nota Final", de Trajano Vieira, organizador da edição.
Kaváfis nasceu em 29 de abril de
1863 e morreu no dia do septuagésimo aniversário, em 1933. Seus versos são
classificados como "tardo-simbolistas", para indignação de Haroldo de
Campos.
Embora contenha traços
simbolistas, o "rótulo" não dá conta da singularidade da poesia de
Kaváfis, que consiste em se deixar fecundar pela matéria grega antiga.
Sabe-se que vários poetas se
apropriaram da tradição, alguns menos felizes, como os que pertenceram a
movimentos neoclássicos, outros bem-fadados, como creio ser os modernos, como
Pound, Eliot e Borges.
Mas Kaváfis, quando dialoga com
versos de Homero, não fala da poesia homérica, mas consegue fazer que o velho
Homero nessa língua grega diferente -ainda grega, porém- fale de novo, pela voz
poética de Kaváfis e do tempo de Kaváfis.
No poema "Ítaca", a
segunda pessoa logo nos faz crer que o interlocutor seja Ulisses. Porém, não há
menção alguma a ele no poema, a sugerir que o interlocutor seja o próprio poeta
quando voltou a Alexandria em 1885.
Ora, já se vê, portanto, que o
interlocutor é antes quem quer que tenha experimentado uma viagem e o retorno:
há uma Ítaca para todo desterrado que retorna.
Assim, a interpelação na voz de
Kaváfis dá ao leitor o privilégio de sentir-se o ouvinte da canção homérica,
sem afetação neoclássica, simbolista ou moderna.
Isto é poesia, este é o poder dos
versos de Kaváfis, mesmo dos que não tratam de matéria grega.
Uma palavra sobre a edição: o
diálogo poético que Trajano Vieira aponta entre o autor e Haroldo já se faz ver
na interpenetração dos nomes na capa, "Konstantinos / Haroldo / Kaváfis /
de Campos", verdadeiro título do livro: autor e tradutor imiscuem-se e ganham
destaque.
É coerente deixar para o fim a
apresentação "Nota Final", assim chamada talvez porque Trajano Vieira
relembre os anos finais de Haroldo, seu mestre de poesia, seu aluno de grego,
com o decoro, hoje raro, com que diz que neste pequeno livro "há muito
mais de Kaváfis do que poderemos encontrar em edições mais dilatadas",
tendo ele mesmo traduzido, muito bem, 60 poemas do poeta.
JOÃO ANGELO OLIVA NETO é tradutor
e professor de letras clássicas na USP.
POEMAS DE KONSTANTINOS
KAVÁFIS
AUTOR Konstantinos Kaváfis
EDITORA Cosac Naify
TRADUÇÃO Haroldo de Campos
QUANTO R$ 45 (64 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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