sábado, 5 de setembro de 2015


05 de setembro de 2015 | N° 18285 
NÍLSON SOUZA

SOBREVIVÊNCIA


Fugi por três dias – do trabalho, da rotina, de mim mesmo. Na praia distante onde me encontro – e me reencontro –, flagro um arrastão. De verdade, com rede e tudo. O calor extemporâneo garante público para os pescadores, que normalmente enfrentam a luta pelo peixe de cada dia apenas com a solidariedade dos companheiros de ofício. Agora têm torcida de futebol. Ao ver o burburinho na areia, as pessoas aproximam-se curiosas, agitam-se, fazem comentários engraçadinhos e logo sacam seus celulares para fotografar e filmar.

É domingo, os humanos urbanos procuram desesperadamente alguma coisa para espantar o tédio e retardar a chegada da segunda-feira cinzenta. Vários carros param, e seus tripulantes descem correndo para não perder o espetáculo. Um caminhão transporta o barco utilizado na operação de lançamento do emaranhado de cordas e boias. Trafega lentamente, mais parando do que rodando, e vai recolhendo a imensa trama que os homens retiram do mar com suas presas prateadas.

Só os peixes parecem não achar divertido o evento. Sufocados pela falta de água – ou pelo excesso de ar –, debatem-se na areia, tentando inutilmente se livrar dos fios que os arrancaram do seu ambiente e dos seus cardumes. Pobres criaturas.

Outro dia, vi num desses documentários sobre a natureza como os peixinhos sofrem para escapar de seus predadores, que são muitos, incluindo os de sua própria espécie. Qualquer semelhança conosco talvez não seja mera coincidência. A verdade é que os peixões costumam devorar os menores, sem dó nem piedade. Os pequenos usam múltiplas estratégias de sobrevivência, entre as quais a de formar um imenso bloco e nadar juntinhos, para parecer um só, e grande. Pouco adianta. Tubarões, focas e até pássaros mergulhadores lançam-se como flechas nos cardumes, até dizimá-los.

Aí vem o homem, com seus arpões e seus canhões, com seus faróis e seus anzóis, para buscar os que sobram nas profundezas escuras do oceano ou nas ondas agitadas da superfície. Essas tainhas caíram na emboscada e agora estertoram aos olhos do público. Seus algozes não lamentam nem celebram. Apenas cumprem o seu papel no ritual atávico da sobrevivência dos mais aptos.

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