sábado, 26 de setembro de 2015



27 de setembro de 2015 | N° 18307
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Quatro fatos e uma pergunta


Dotado de uma importante rede de universidades, com décadas de atuação intelectual, com pesquisas, publicações, simpósios, etc., o Rio Grande do Sul não tem produzido – ou não tem trazido a público – interpretações sobre o Brasil. Talvez eu esteja cometendo injustiças, mas só vejo duas figuras gaúchas com demonstrada capacidade de apresentar de público leituras de conjunto sobre o país. 

O primeiro foi Vianna Moog (1906 – 1988), com obras como Bandeirantes e Pioneiros, em que desenhou um contraste entre a colonização do Brasil e aquela dos Estados Unidos. O segundo foi Raymundo Faoro (1925 – 2003), autor de Os Donos do Poder, ensaio de interpretação sobre a formação do Estado brasileiro, apropriado desde sempre pelos grupos que sucessivamente chegaram ao poder e dele passaram a se servir como se ele fosse coisa privada.

Por que só eles?

Não estou desconsiderando escritores que alcançaram forte público nacional, como Erico Verissimo, Moacyr Scliar ou Caio Fernando Abreu, para citar de novo apenas gente já ausente; nem estou esquecendo intelectuais de importância, como Moysés Vellinho ou Décio Freitas. O certo é que, salvo os dois antes mencionados, não produzimos aqui interpretações gerais do país, nem em ficção. Por quê?

2 Com todas as suas limitações históricas, por sinal raras vezes iluminadas com ênfase, a experiência história da República do Piratini teve o inegável valor de ser, bem, republicana, numa conjuntura histórica em que estava em jogo o futuro da monarquia no Brasil. Houve uma guerra, sustentada por longos anos; no centro político do conflito estava uma reivindicação de maior autonomia, negada às províncias pelo poder central daquela jovem nação (a Independência aconteceu meros 13 anos antes da eclosão da guerra sulina) como antes havia sido negada à colônia portuguesa pela metrópole. 

O desfecho da guerra foi um arranjo à moda brasileira, não à moda platina: na Argentina e no Uruguai, os derrotados vão para o exílio curar as feridas (e eventualmente pensar no assunto, como ocorreu com Sarmiento, que lá escreveu um clássico de seu país, o Facundo), mas no Brasil as elites sempre dão um jeito de comporem as coisas, excluindo os de sempre, índios e negros especialmente. Conciliação pelo alto, como se dizia: perdão total do Imperador aos rebeldes, ratificação de seus atos durante a República, etc.

Terá tido esse desfecho algum papel, a longo prazo, na ausência de pensamento crítico sobre o conjunto da nação brasileira? A guerra separatista e essa paz conciliadora terão exercido sobre as elites intelectuais algum poder limitante, obrigando-as a tarefas locais e mesmo localistas, tão somente?

3Como uma espécie torta de compensação, o Rio Grande do Sul há 15 anos é o berço quase exclusivo dos treinadores da Seleção. Desde 2001, passaram pelo cargo Felipão (depois Parreira, carioca), Dunga, Mano Menezes, de novo Felipão e Dunga. Isso sem falar de Tite, treinador do time que agora ponteia o Campeonato Brasileiro e candidato a treinar a Seleção, em seguida.

Por quê?

Políticos de projeção e de projeto realmente nacionais tivemos dois, Getúlio e Brizola, um bem e outro mal sucedido na conquista do poder central. Além deles, quem mais? É certo que na geração de Getúlio havia outros destaques, como Osvaldo Aranha, sem ir mais longe. Mas sempre poucos, e no passado.

4 Curiosamente, o Rio Grande do Sul tem apresentado e desenvolvido impressionantes iniciativas de vocação e timbre cosmopolita. A AGAPAN, começada em 1971, é exemplo de luta ecológica até hoje. O MST tem uma forte raiz na organização dos camponeses do norte gaúcho, nos anos 80. 

O Orçamento Participativo conheceu sua mais complexa realização aqui, desde o final dos anos 80, e dele brotou a invenção do Fórum Social Mundial, que fez Porto Alegre conhecida no mundo todo. O Fórum da Liberdade tem papel importante para os liberais brasileiros. No campo da tecnologia, o Fórum Internacional do Software Livre é referência forte em seu campo.

Mas nenhum deles tem o Brasil como foco, objetivo ou âmbito, propriamente. Por quê?

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