terça-feira, 15 de setembro de 2015



15 de setembro de 2015 | N° 18295 
DAVID COIMBRA

O que os alemães têm a ensinar

Nada fica pronto nunca. Nem ficará.


O povo judeu está festejando o ano novo de 5776. Pela tradição, foi quando Jeová fez do barro um boneco e, ao soprar-lhe nas narinas, instilou-lhe vida. Estava feito o primeiro homem, o velho e bom Adão.

Bem, há outras versões. O islamismo, que também aceita Adão como um de seus profetas, diz que Deus o criou a partir de um coágulo de sangue.

De toda maneira, seja qual for a matéria-prima, nós sabemos que essa data, 5776, vale mais pela poesia do que pela ciência. Por essa época, os sumérios e os egípcios já andavam fazendo História com agá maiúsculo no Oriente Médio. As pirâmides, inclusive, são pouca coisa mais novas, têm lá seus quase 5 mil anos de idade. A primeira lavoura deve ter sido cultivada há uns 10 ou 12 mil anos e, muito antes disso, 200 mil anos atrás, homens e mulheres já parecidos com Tom Brady e Gisele Bündchen caçavam e coletavam pelas savanas africanas.

O que estou querendo enfatizar é que, como dizia Brizola, nós viemos de longe. Talvez consigamos ir ainda mais longe, não sei, só sei que, seja qual for a distância percorrida, nunca ficaremos prontos, ao contrário do que se crê.

Essa crença, a crença na evolução, pressupõe que chegará um momento em que esse produto, que começou toscamente no barro ou no coágulo de sangue, estará acabado.

Bobagem.

Nossa vida é vivida assim, no gerúndio, e no gerúndio continuará. As coisas vão acontecendo e o futuro é um tempo impossível de ser alcançado. Se você acha que já chegou ao futuro, na verdade você já pertence ao passado. É um grande erro pensar no futuro, porque, ao pensar no futuro, você estará pensando em ficção. Só o passado e o presente são reais. Por isso, esteja certo: nós não somos homens e mulheres do futuro. Não somos mais evoluídos.

Os homens e as mulheres de 5776 anos atrás não eram piores, nem menos inteligentes, nem menos sensíveis do que os de hoje. Eles sentiam as mesmas necessidades, os mesmos desejos e as mesmas dores.

A evolução é uma ilusão. Mas...

Mas nós podemos aprender. Veja o povo alemão, que foi um dos protagonistas da grande matança do século passado, a II Guerra Mundial. A Alemanha de então era a sede da xenofobia e do racismo, inimiga das liberdades representadas pelas diferenças entre os indivíduos. Aliás, preste atenção: não é a coletividade, é o respeito ao indivíduo que garante a liberdade. O indivíduo!

Mas o importante é que, hoje, a Alemanha é outra. A Alemanha aprendeu.

O governo da Alemanha anuncia que pode criar condições para receber 1 milhão de refugiados sírios. Quem conhece a Alemanha não se surpreende. Os alemães, ao contrário da maioria dos povos do mundo, não escondem nem negam seus pecados. Eles os expõem. E, assim, purgam-se. Há museus e mostras, há filmes, livros e peças de teatro na Alemanha sobre o Holocausto. Esse debate incessante educou consciências. E criou a compreensão de que as pessoas só vivem bem neste mundo quando vivem com tolerância.

A Alemanha se transformou sempre durante sua longa história. Continua se transformando. Como todos nós, nunca ficará pronta. Mas, em alguns sentidos, essa transformação não foi apenas uma sucessão de mudanças laterais. Em alguns sentidos, a Alemanha mostra que podemos, sim, evoluir.

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