terça-feira, 29 de setembro de 2015



29 de setembro de 2015 | N° 18309
ARTIGOS -JORGE BARCELLOS*

E O PADRASTO, COMO FICA?


Já ficou claro pela crítica que a aprovação do Estatuto da Família representa um retrocesso em direitos adquiridos por casais homoafetivos e frente a jurisprudência emitida pelo STF, mas pouco se falou dos efeitos sobre a figura dos padrastos. Afinal, aquele que não é pai biológico de uma criança mas a educa como se fosse é ou não atingido pelo projeto? Pela proposta de lei não, já que o texto afirma que a família é composta por homem e mulher e seus descendentes. Enteado não é filho do pai, logo não há família. Nada mais retrógrado.

Marcos Piangers está fazendo sucesso com o livro Papai é Pop justamente narrando suas aventuras como pai. E a primeira coisa que o autor fala é que ele nunca conheceu o próprio pai, razão pela qual faz questão de registrar as aventuras como um. Com pais separados, pouco vivi com meu pai, razão pela qual valorizo o fato de ser padrasto. Pai, enteado e esposa são família também e não há lei que diga o contrário. A psicanálise afirma que as estruturas do inconsciente são forjadas por papéis de indivíduos que ocupam as funções de pai, mãe e filho. É cultura, não natureza.

A psicanalista Elisabeth Roudinesco afirma, em A Família em Desordem (Zahar, 2003), que a família não se dissolveu, mas se reorganizou de forma horizontal e em redes, garantindo a reprodução das gerações, o casamento perdeu o ornamento da sacralidade e a existência de filhos do casamento ou enteados não faz diferença alguma: agora, ao contrário, filhos são frequentemente concebidos fora dos laços matrimoniais e esse quadro, que aterrorizou os conservadores, mostra-se com naturalidade e comprova que a civilização não foi engolida por essas “desordens”.

Muito me orgulho do padrasto que sou e do filho que ajudei a criar. Com limites e possibilidades, você se recorda de cada dia em que deu Nescau, levou ao médico, da formatura, do primeiro emprego, do temor pelas noitadas etc. É claro que, com a geração internet, se reduz o contato, mas ainda há o simples fato de que você está ali para o que der e vier e o enteado sabe que pode contar com o padrasto. É isso que importa. A autoridade paternal/padrastal é compartilhada e, neste mundo, importam muito mais os direitos conquistados pelos filhos/enteados. As famílias são simplesmente diferentes.
*Doutor em Educação

Nenhum comentário: