quinta-feira, 10 de setembro de 2015



10 de setembro de 2015 | N° 18290 
CARLOS GERBASE

HUMILHAÇÃO NÃO TEM CLÍMAX


A novela de Philip Roth (82 anos) chama-se The Humbling (A Humilhação), e o título original foi mantido nos EUA para a adaptação dirigida por Barry Levinson (73 anos), estrelada por Al Pacino (75 anos), com roteiro de Buck Henry (84 anos) e Michal Zebede (uma moça tão jovem que poderia ser neta de todos os demais citados). No Brasil, o filme chama-se O Último Ato, e, por incrível que pareça, os tradutores estão certos: não é adequado manter o título dado por Roth à história, que tem como tema a decadência física e artística de um grande ator, seguida de sua inevitável humilhação. É um filme sobre um velho feito por um monte velhos, com exceção da roteirista Zebede.

Não sabemos qual a contribuição de Zebede ao roteiro, o que ela pregou, o que ela defendeu, o que ela propôs manter ou mudar na trama de Roth. Não sabemos como foi sua relação intelectual com o seu corroteirista de 84 anos. Não sabemos se eles brigaram, se Al Pacino opinou, se eles decidiram sozinhos o final, ou se Barry Levinson disse-lhes o que queria. 

Afinal de contas, o diretor é sempre o último e definitivo roteirista. Mas de uma coisa eu sei: eles erraram o final. Eles decidiram que o filme deveria ter um Grande Clímax, que o ator humilhado voltaria ao palco para interpretar Rei Lear (o óbvio do óbvio) e que, sob o olhar do público, encenaria seu último ato. Eles decidiram assim, Levinson filmou assim, Al Pacino interpretou assim. Erros em série.

Philip Roth escreve sobre a decadência dos seres humanos há muito tempo. Esse é o seu grande tema. Quando terminei de ler A Humilhação, pensei: “Conflito poderoso, ótimos personagens, tamanho certo: é só roteirizar e filmar”. Nesse caso, e em poucos outros, valeria o conselho de Nelson Rodrigues para seus adaptadores: “Sejam burros”. Mas Buck, com toda a sua experiência, e Zebede, com toda sua juventude, decidiram ser inteligentes. 

E uma fala melancólica de A Gaivota, de Tchékhov, virou um diálogo grandiloquente de Shakespeare. E um corpo apodrecendo por alguns dias num sótão virou um corpo triunfante num palco. E o final da humilhação de Roth – tão denso, tão chocante, tão climático – virou um clímax hollywoodiano qualquer. O que é inevitável, talvez, mas continua sendo ruim.

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