sábado, 26 de setembro de 2015




26 de setembro de 2015 | N° 18306 
CLÁUDIA LAITANO

Topetudos

Nos programas de humor, nos talk shows do horário nobre, na festa de entrega do Emmy, lá estão ele e seu topete. Nos dias que correm, nos Estados Unidos, onde houver um microfone e uma audiência, Donald Trump estará presente – se não em pessoa, na forma de piada. Os roteiristas nem precisam se esforçar muito. O próprio candidato republicano tem se encarregado de distribuir generosamente o material de que as piadas são feitas: visual excêntrico, frases de efeito sem noção, sincericídio, tudo isso sustentado por uma visão de mundo anacrônica e excludente. 

Na semana que passou, a reação liberal ao constrangimento representado pelo avanço de um tipo como Donald Trump dentro do Partido Republicano parece ter chegado a sua manifestação mais extrema (e explícita): no episódio da última quarta-feira da série de humor negro South Park, uma versão animada do candidato aparece sendo morta e estuprada.

No Brasil, não temos nada parecido com South Park – nem humor político em qualidade e variedade suficientes para dar conta do material cômico produzido por Brasília todos os dias. Não nos faltam personagens caricatos como Donald Trump, é verdade, mas nossas reservas de sátira e bom humor parecem escassas quando nos defrontamos com personagens como Eduardo Cunha, por exemplo. 

Com seu sotaque carioca arrastado e seu visual anódino de vendedor de enciclopédias, o presidente da Câmara é um desafio para comediantes. Ao contrário de Trump, sempre mantém a gomalina e a compostura diante das câmeras – e mesmo jornalistas experientes têm dificuldade para escapar do seu repertório aparentemente inesgotável de tecnicalidades.

Ainda assim, de alguma forma, os dois políticos representam a mesma força centrípeta que parece sugar todos os assuntos para um vórtice comum de atraso e intolerância. A diferença é que os Estados Unidos ainda têm chance de catapultar Trump de volta para sua irrelevância bilionária, enquanto o Brasil já está a bordo de um avião sequestrado pelo fundamentalismo religioso liderado por Eduardo Cunha. 

Apenas nesta semana, os deputados da bancada evangélica colocaram em pauta na Câmara um projeto que dificulta ainda mais o tratamento médico de mulheres vítimas de estupro (PL 5.069/2013, de autoria do próprio Eduardo Cunha) e aprovaram em comissão um anacrônico Estatuto da Família (PL 6.583/2013) que não reconhece a existência de casais do mesmo sexo.

Trata-se de puro pensamento mágico imaginar que pelo simples desejo da bancada evangélica casais gays deixarão de existir – mas não é exatamente o pensamento mágico que está empurrando o país para fora das fronteiras de um Estado laico?

Donald Trump é uma piada de mau gosto que, na dúvida, os americanos de bom senso decidiram levar a sério. No Brasil, várias piadas de mau gosto da mesma categoria distraíram a plateia nos últimos anos. Enquanto isso, a verdadeira ameaça ganhava forças nos bastidores, disfarçada de vendedor de enciclopédia, mas não menos topetuda.

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