sábado, 19 de setembro de 2015



19 de setembro de 2015 | N° 18299 
CLÁUDIA LAITANO

Presença de Anita


Anita não se mixa pra microfone, câmera de TV, gente famosa. Ao lado do pai, o Marcos Piangers, e da mana caçula, a Aurora, sentou-se no sofá do programa da Fátima Bernardes e não fugiu da raia quando foi convocada a opinar sobre a onipresença do rosa no guarda-roupa das meninas. Vestindo uma alinhada camisa azul-claro, contou que gostava de rosa, sim, quando tinha a idade da irmã, mas que, aos 10 anos, já estava noutra: “Quando tu cresce, tu pensa: pô, que coisa machista”. E para deixar claro que sua bronca ia muito além da monocromia compulsória, acrescentou: “Por que não tem trocador de fralda no banheiro dos homens?”.

Os aplausos da plateia continuaram, ao longo da semana, na internet, com milhares de compartilhamentos do vídeo. Como Anita é adorável, muito do sucesso da entrevista pode ser creditado ao fator “fofidão” – pelo qual, todos sabemos, a internet tem um certo fraco. Se fosse cinco anos mais velha, a reação do público provavelmente teria sido diferente. Em vez de ser uma menina graciosa tocando em temas sérios aparentemente sem querer, talvez fosse vista como uma adolescente reclamona e politicamente correta.

O certo é que nada do que Anita falou foi gratuito ou papagaiado, mas fruto da reflexão que, aos 10 anos, ela já é capaz de fazer por conta própria. Crianças (adultos também, mas menos do que deveríamos) testam hipóteses o tempo todo para entender o mundo a sua volta e construir sua noção de justiça. 

Quanto mais completas as informações que obtêm, maiores e mais complexas suas dúvidas se tornam – e mais difícil se torna satisfazê-las com respostas prontas. Se, diante de um banheiro em que o pai não podia trocar a fralda da irmã, Anita recebesse respostas do tipo “foi sempre assim”, “deus mandou” ou “não enche” , é provável que ela crescesse para acreditar que banheiro de shopping é como terremoto, furacão ou tamanho do pé.

Muitas famílias se esforçam para criar crianças inteligentes e questionadoras como Anita, mas nem todas estão preparadas para as surpresas que meninos e meninas criados para pensar de forma independente podem trazer para casa. No caso da igualdade de direitos e deveres de homens e mulheres, fica evidente, à medida que ganhamos distância das lutas iniciais pelo direito ao voto, à educação e ao mercado de trabalho, que cada nova geração empurra um pouco mais à frente sua utopia.

Diante de causas que não são as suas, porém, adultos de ambos os sexos tendem a ficar confusos (por que lutar por isso agora se aquilo ainda não está resolvido?), ofendidos ou mesmo irritados – o que talvez explique boa parte das reações agressivas ao discurso das feministas mais jovens. 


Enquanto muitas mulheres da minha geração se exasperam com os números da violência doméstica, a legislação paleolítica sobre aborto, a falta de representação política, a geração das nossas filhas briga por tudo isso e ainda se esforça para desnaturalizar o que nunca deveria ter sido natural – como a ideia de que apenas mulheres levam os filhos pequenos ao shopping e se ocupam de trocar suas fraldas.

Porque tenho em casa uma menina de 17 anos que me surpreende e desafia todos os dias, posso garantir que Anita vai continuar defendendo seu direito de vestir/falar/pensar como quiser mesmo quando a internet deixar de achar que isso é engraçadinho.

Com vocês, as nossas garotas.

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