quinta-feira, 17 de setembro de 2015



17 de setembro de 2015 | N° 18297 
DAVID COIMBRA

Quando o mais forte manda


O grande livro de Freud, filosoficamente falando, é O Mal-Estar na Civilização. Instigante desde o título. Afinal, por que a civilização gera mal-estar?

Resposta: porque a vida, na civilização, se dá por meio de regras. Ser civilizado é cumprir regras. Ora, para que as regras funcionem, é preciso haver repressão, ou as pessoas as burlam. Donde, o mal-estar.

Você queria arrastar morena de pernas longas pelos cabelos para com ela se repoltrear por duas horas, você queria ter a Maserati do Collor, você queria morar na mansão do George Clooney. Por que você não toma tudo isso? O que o impede?

É a repressão. Você sabe que, se você fizer tudo o que tem vontade de fazer, infringirá a lei ou alguma norma, e será punido por isso. Os desejos reprimidos causam tensão no seu subconsciente. Causam mal-estar. E todas as angústias e todas as neuroses.

As aves do céu e os peixes do mar, as feras da savana e os tigres da Sibéria não sentem essas tensões e, assim, jamais precisarão de analista. Eles não vivem em civilização.

Nós vivemos. Nós, sapiens. Nós concluímos que é a melhor forma de estarmos em sociedade, talvez a única, e há cerca de 12 mil anos vivemos debaixo de leis. É chato, como explica Freud, mas até agora não foi descoberta outra fórmula.

O problema é: quem faz as leis? Os antigos hebreus, por exemplo, tinham os profetas, que na verdade não profetizavam no sentido adivinhatório: eles eram juízes. Mas chegou um tempo em que o povo clamou por um rei, que era o sistema de quase todos os outros povos. Assim, Saul foi ungido o primeiro rei hebreu. Por essa época, os gregos inventaram outro sistema: os próprios cidadãos escolhiam suas leis, através do voto.

Nós, brasileiros, resolvemos, há pouco mais de cem anos, que esse é o melhor sistema para nós. A velha democracia representativa.

O que significa isso, “democracia representativa”? Significa que quem faz as leis é o povo, por meio de seus representantes eleitos. Logo, quando alguém burla a lei, está agredindo o povo que a fez. A lei é injusta? Mude-se a lei. Mas sempre dentro da lei. Porque, se você burlar a lei alegando que ela é injusta, estará quebrando o princípio democrático fundamental: o de que a maioria decidiu e, uma vez decidido, todos devem se submeter.

Por mim, as drogas, o aborto e a adoção de filhos por casais gays estariam liberados. Mas a maioria da sociedade brasileira não pensa assim, e tenho de aceitar, embora continue usando instrumentos (legais) para repetir que considero essas proibições injustas.

Preciso me conformar, porque qualquer rompimento da lei é mais grave do que a mais grave das injustiças, por romper um princípio. Quem diz o que é justo ou injusto? Eu? Você? A presidente do Cpers? A presidente da República? O general do quartel da esquina?

Quando a suposta busca da justiça passa por cima da lei, passa por cima de todas as garantias que têm, exatamente, os injustiçados. Porque a lei serve para proteger o mais fraco. Se não houver lei, o que impede o mais forte de pegar aquela mulher, aquela casa, aquele carro? Ou: a sua mulher, a sua casa, o seu carro?

Por isso, fechar o parlamento, como fecharam sindicalistas gaúchos, na terça, é infinitamente mais grave do que a causa que os levou a fechar o parlamento. Hoje é você quem fecha o parlamento, porque acha que tem suas razões. Amanhã, outra pessoa, com outras razões, pode querer fechar o parlamento também. E essa outra pessoa pode ser mais forte do que você. E pode não gostar de você. E aí... você não terá como reclamar.

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