29 de setembro de 2015 | N° 18309
DAVID COIMBRA
Coisas que só Porto Alegre faz
Qualquer coisa nem sempre é melhor do que nada. Às vezes, é bem pior. Estou falando do polêmico projeto do Cais Mauá, onde hoje nada existe e do que, dizem os críticos, querem fazer qualquer coisa.
Essas pessoas que são contra o projeto gozam de alguma relevância na cidade. São intelectuais e arquitetos. Mas também há intelectuais e arquitetos a favor do projeto. O que a princípio é bom, porque todos parecem querer debater para o bem de Porto Alegre.
O problema é que muito debate, em geral, não leva a ação alguma. E, quando leva, produz mediocridades. Não há como ser diferente: tudo que é feito “pela média” fica distante da excelência. A excelência está lá em cima, fora do alcance da imaginação comum.
As reformas decisivas nas grandes cidades do mundo foram feitas com autoritarismo, ao largo da média. A mais importante delas, a do Barão Haussmann, prefeito de Paris por quase 20 anos no Segundo Império. Haussmann redesenhou uma cidade que tinha traçado medieval e que se refocilava na insalubridade. Alargou avenidas, saneou bairros, transformou Paris no que Paris é. A esquerda o criticava, porque ele teria aberto os espaços na área central da cidade para evitar as barricadas populares que se repetiam havia 20 anos e porque, com as demolições, os pobres foram expulsos para a periferia.
Tudo isso é verdade, mas Haussmann transformou Paris no que Hitler chamaria de “a mais bela joia da Europa”, além de ter fundado o modelo em que se inspiraram Buenos Aires, Nova York e Rio de Janeiro, entre outras cidades.
No caso do Rio, o nosso Haussmann foi o prefeito Pereira Passos, que também remodelou a cidade e que também destruiu os cortiços (vide Aluísio de Azevedo), fazendo com que os ex-escravos que lá moravam se mudassem para os altos de um morro em que crescia uma erva chamada “favela”. Assim o Rio se tornou a cidade maravilhosa e assim foi criada uma nova palavra para a língua portuguesa.
Se no Rio e em Paris fossem travados os debates democráticos usuais em Porto Alegre, não haveria Cidade Maravilhosa nem Cidade Luz. Não haveria nada.
O debate, então, é ruim?
Claro que não. É bom, se feito com boa vontade. É bom, se as partes envolvidas não pretenderem derrotar uma à outra, e sim chegar a um denominador comum que construa algo, que chegue a algum lugar, que saia do nada.
Tenho passado certo tempo a me informar sobre esse projeto do Cais Mauá. Tem seus defeitos e tem suas qualidades. Não é tão ruim quanto alegam seus opositores e tampouco é o ideal.
Mas será que conseguiríamos alcançar o ideal? Porto Alegre não é uma cidade rica. Um investimento de R$ 500 milhões em obras de reforma, a criação de uma nova área de convivência e a geração de milhares de empregos são melhorias evidentes, que não podem ser desprezadas pela exigência do ideal ou da perfeição. Até porque quem mais ganha com isso é quem menos tem.
Uma democracia tem de ser transparente, uma democracia evolui através do debate, mas uma democracia também tem regras. Há pessoas eleitas, numa democracia, exatamente para tomar decisões e, às vezes, para desagradar a alguns, ou muitos, em benefício da maioria.
Tomara que o candente debate sobre o Cais Mauá não se transforme, como quase todos os debates porto-alegrenses, em um debate amargo, em uma discussão de inimigos, em uma ação na aparência democrática, mas na essência destrutiva. Tomara que esse debate faça com que a cidade saia do nada. Não em direção a qualquer coisa: em direção a alguma coisa melhor.
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