sexta-feira, 11 de setembro de 2015



11 de setembro de 2015 | N° 18291 
MOISÉS MENDES

A colega neonazista


Depois da imagem do menino Aylan Kurdi morto na praia, mais uma cena para nos atordoar. É o vídeo de uma cinegrafista derrubando o homem que foge da polícia húngara com o filho no colo. O homem e a criança estão entre refugiados de vários países que atravessam em desespero a fronteira com a Sérvia.

A cinegrafista húngara Petra Laszlo, do canal N1TV, espicha a perna e passa uma tranca no homem. Pai e filho rolam no chão. Petra cumpre sua missão de jornalista engajada a uma causa. Ela e a empresa em que trabalha se esforçam para humilhar as famílias que tentam entrar na Europa.

Um colega a denunciou. A crueldade foi flagrada pelo alemão Stephan Richter. Ele filmou Petra chutando outros refugiados.

Richter fez o que todo jornalista deveria fazer, para que não sejamos cúmplices de trancas e chutes covardes. Muitos, como a repórter assumidamente neonazista, também aqui no Brasil espicham, não as pernas, mas suas línguas xenófobas e racistas contra os que os incomodam.

Não são poucos os dissimulados dispostos a derrubar quem passa por perto. São os contrariados crônicos com os avanços sociais. Podem ser tão cruéis quanto Petra, mas se escondem nas sutilezas do livre pensar. Alguns são jornalistas. Quantos gostariam de passar a tranca em negros e pobres que finalmente chegaram à universidade?

Vejam o que disse o neurocientista americano Carl Hart, envolvido numa história de que teria sido (e não foi) barrado por ser negro em um hotel de São Paulo. Hart publicou artigo na Folha de S. Paulo em que recomenda: não se preocupem comigo, mas sim com o racismo cotidiano contra brasileiros comuns.

O caso de Hart virou assunto nas redes sociais. Daí o estranhamento do cientista: aqui, racismo só vira notícia de repercussão quando a vítima é uma celebridade. De preferência, estrangeira.

Pois uma das piores faces do jornalismo é a da complacência com os atos cotidianos de que fala o americano e que têm semelhança com o gesto da cinegrafista húngara – apenas não são expressos por chutes, mas por pontos de vista muitas vezes murmurados.

O jornalista alemão nos oferece um exemplo de como quebrar a cumplicidade silenciosa com os engajados em todo tipo de preconceito. Stephan Richter me representa.

Aqui está o vídeo com a jornalista que chuta refugiados: https://twitter.com/richtersteph

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