quarta-feira, 30 de setembro de 2015



30 de setembro de 2015 | N° 18310 
DAVID COIMBRA

Queridxs amigxs


Astrônomos descobriram que um cometa vai cair bem em cima do Rio de Janeiro, esmagando a cidade inteira. Mas não se preocupe, isso só acontecerá em 3 ou 4 milhões de anos, é possível que nenhum de nós esteja vivo então, e que o Botafogo até já tenha sido campeão da Libertadores, embora duvide que consiga ser do mundo.

Mesmo assim, fico inquieto. Temos dificuldades com planejamento, no Brasil. Se deixarmos para os últimos 10 ou 12 mil anos, é certo que as obras de remoção vão atrasar e que os cariocas serão amassados pelo cometa, que nem o foram os dinossauros por aquele meteoro que atingiu o México, há 65 milhões de anos.

Fico encantado com a capacidade dos cientistas de descobrir essas coisas. Os cometas que caíram, os cometas que cairão, e tudo mais. Eles sabiam sobre o eclipse da Superlua, no domingo passado. Aquilo foi lindo. A Lua se escondendo nas sombras na hora exata em que os cientistas disseram que aconteceria.

Como eles são sabidos. Não apenas os cientistas. Hidráulicos e eletricistas, por exemplo, são detentores de um conhecimento que me fascina. Além de tantos outros sábios, como o pessoal do help desk e os mecânicos de carro.

Já eu sei de pouquíssimas coisas. Uma delas é algo que aprendi sobre a nossa língua portuguesa: ela é fonética, e isso é genial. Imagine que com apenas 23 sinais, representando sons, somos capazes de expressar tudo que existe no mundo. Todos os pensamentos. Todos os sentimentos. Todos os objetos e animais.

Posso escrever uma palavra abstrata, algo que não existe, por exemplo: “Iglenho”. Posso escrever isso, e você saberá pronunciar. As escritas japonesa e chinesa são muitíssimo inferiores à nossa, desculpem-me os entusiastas do Oriente. Porque são visuais, são ideográficas, as pessoas têm de decorar milhares de símbolos.

Nossa escrita e nossa língua, portanto, são pontos excelsos da evolução humana. Por isso, preciso pedir às feministas que parem com essa história de escrever “amigxs” em vez de “amigos”, com a presunção de que estão lutando contra um preconceito de gênero. Quando vocês fazem assim, queridxs amigxs, vocês estão subvertendo a lógica da língua portuguesa, porque ninguém consegue ler “axs mxxs carxs amigxs”, esse troço não existe. De onde é que vocês tiraram essa ideia? “PresidentA” já é medonho. Sou contra o impeachment, mas, quando ouço alguém falar presidentA, tenho vontade de irromper Planalto adentro e derrubar a Dilma a golpes de caneta. A palavra “presidente” já é neutra, como vocês querem: “o” presidente, “a” presidente. Tanto faz.

Aliás, o português, ou, se vocês preferirem, “a” língua portuguesa, é, como o Direito, o calendário e até o cristianismo, uma herança do Império Romano. Deriva do latim, e no latim existia esse gênero neutro. Na língua portuguesa não existe, mas nós temos os nossos lindos artigos: o “o”, o “a”. Quando escrevemos “alunos”, ao nos referirmos a moços e moças estudantes, não é por machismo. Há deslumbrantes palavras femininas que designam os dois gêneros. Um másculo carvalho sempre será uma árvore. Qual a semelhança entre ele e uma mulher? Talvez porque ambos gerem frutos, o que não deixa de ser uma poesia. Aliás, a poesia, mais importante do que o poema, é feminina. E as cidades são femininas também, inclusive “o” Rio de Janeiro, que será destruído por aquele cometa.

Não destruam também a língua portuguesa, a nossa pátria, como diria Fernando Pessoa, a “última flor do Lácio, inculta e bela”, como diria Bilac. Viram? Ela é a pátria, ela é uma flor. Ela é uma menina!

Cervantes, que em espanhol escreveu o primeiro grande romance do planeta, era apaixonado pela língua portuguesa. Chamava-a de “la Dulce”. Doce. Como uma mulher. Como vocês. Sejam doces com ela. Não a maltratem. Por favor.

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