sábado, 19 de setembro de 2015


19 de setembro de 2015 | N° 18299 
NÍLSON SOUZA

HIERÓGLIFOS


Por insistência de uma professora de datilografia do século passado, tornei-me um razoável digitador. A mulher cobria o teclado da máquina com papel de embrulho, de modo que eu era obrigado a tatear as teclas sem vê-las. Talvez fosse um método meio autoritário, mas deu resultado: ainda adolescente, aprendi a digitar (datilografar, naquele tempo) com os 10 dedos e mantive essa habilidade na transição das olivettis e remingtons para os computadores.

Cultura inútil, hoje: ainda escrevo com suficiente velocidade e precisão, mas perco de goleada para essa garotada que digita com os polegares nos seus computadores de mão. Meus dedões ainda não perderam o vício de procurar a tecla do espaço que sempre lhes coube nos teclados grandes.

Para piorar, minha escrita à mão é um desastre. Por ansiedade ou algum tipo de dislexia, produzo anotações ilegíveis, verdadeiros garranchos que eu mesmo tenho dificuldade para decifrar na hora da releitura. Mas não passo um dia sem escrever. Ando sempre com uma caneta no bolso, anoto ideias, registro frases interessantes e costumo começar a minha jornada de trabalho com uma lista de tarefas, que vou riscando na medida em que são cumpridas.

Anotar informações rapidamente era tão importante para o meu ofício, que cheguei a estudar taquigrafia no curso de Jornalismo. Trata-se de um método abreviado de escrita, em que traços e símbolos representam sílabas. Nunca fui muito além do fre-vre e temo que esse aprendizado tenha comprometido ainda mais a minha letra cursiva. Ainda assim, escrevo à mão com o mesmo prazer das primeiras letras, porque esse tipo de ato me permite imprimir uma marca pessoal, uma assinatura intransferível de minha personalidade.

É triste saber que a tecnologia está condenando a escrita à mão à morte por inutilidade. Algumas escolas norte-americanas já não exigem mais dos alunos que empunhem lápis e caneta para registrar suas garatujas. Em nome da pressa e da precisão, a garotada já vem do berço teclando.

Já que não tem volta, espero que nesse futuro digital sobre pelo menos um Champollion para decifrar nossos lembretes, nossas receitas de bolo e nossas cartas de amor que os arqueólogos encontrarão nos papéis que resistirem ao tempo.

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