20 de setembro de 2015 | N° 18300
L.F.VERÍSSIMO
Inimaginável
Como já contei mais de uma vez, eu estava em Nova York quando mataram o John Lennon, em 1980. Anos depois, estava em Nova York quando a cidade fechou para enfrentar a fúria de um furacão que, mesmo chamado “Hugo”, prometia ser o mais destrutivo de todos os tempos.
Nos recolhemos ao nosso quarto de hotel com um bom sortimento de água mineral, preparados para o pior. “Hugo” chegou com vento e chuva fortes e, que se saiba, não derrubou uma árvore ou carregou uma velhinha, mas durante um dia inteiro manteve a cidade acuada. E estávamos no mesmo hotel quando destruíram as torres do World Trade Center.
Não, não estou recontando isto para recomendar que, por precaução, nunca vá a Nova York quando eu estiver lá. É que, no recente aniversário do 11 de Setembro, me lembrei de que uma das músicas cantadas num concerto em benefício das famílias das vítimas logo depois dos atentados foi Imagine, do John Lennon. Justamente a música em que ele pede à sua geração que imagine um mundo sem países e sem religião, ou sem nada pelo qual lutar e morrer.
Cantar Imagine foi uma maneira de evocar outra tragédia da cidade, o assassinato de Lennon, um nova-iorquino por adoção, anos antes. Mas não foi exatamente uma escolha adequada. O fanatismo religioso era responsável pela loucura suicida dos que atacaram o World Trade Center, e o patriotismo ultrajado moveu a reação americana que culminou com o ataque igualmente irracional ao Iraque.
Não lembro como o público reagiu à música. O tamanho do ultraje não deixava muito lugar para o racionalismo idealizado por Lennon. A maioria dos jovens presentes na cerimônia estava disposta a lutar, matar e morrer imediatamente para vingar o ataque às torres. E os anos que se seguiram viram uma escalada da violência no Oriente Médio e em outras partes do mundo, quase sempre provocada pela religião e por questões étnicas.
O islamismo radical ostentando suas atrocidades, a reação não menos insensata do Ocidente, o drama reincidente de refugiados tentando romper fronteiras impiedosas para sobreviver, tudo tornou a exortação de Lennon a sua geração uma amarga ironia. O mundo destribalizado ou transformado numa única tribo solidária e sensata sonhado por ele ficou inimaginável. E Imagine transformou-se, com o tempo, de um hino a uma utopia possível em um réquiem para a ingenuidade.
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