sábado, 26 de setembro de 2015



26 de setembro de 2015 | N° 18306 
DAVID COIMBRA

Meus 100 anos

Um velhinho, lá no Japão, tem 105 anos de idade e corre os cem metros rasos. Ele começou a correr não faz muito, aos 90. Mesmo assim, diz que um dos segredos da vida longa é a prática diária de exercícios. Os outros são comer pouco e mastigar bastante os alimentos.

Isso de comer pouco eu já sabia. E não graças aos japoneses; graças aos inimigos históricos deles, os chineses, que dizem: “Jamais te arrependerás de comer pouco”.

Levo essa frase sempre comigo e a repito a todo momento, embora jamais a tenha aplicado.

O velhinho japonês diz ainda que temos de mastigar bastante. Também já sabia disso. A minha madrinha Sônia insistia que temos de mastigar cada bocada 42 vezes. Um dia ela me levou para almoçar em um restaurante vegetariano que pregava algo parecido. A gente punha uma colherada de grão-de-bico na boca e ouvia um cara falar mansamente pelo sistema de som:

– Mastigue... Mastigue... Você deve facilitar o trabalho do estômago... O bolo alimentar tem de ser dissolvido completamente pelos ácidos estomacais... Você, de camisa azul e óculos... Você está comendo muito rápido... Mastigue... Mastigue... Você, perto da janela, de blusa verde: não é assim que se faz. Calma... Mastigue...

Nunca mais voltei àquele restaurante. Tinha medo de ser censurado pelo cara do sistema de som. Além disso, chamar comida de bolo alimentar me tira o apetite.

De qualquer forma, não consigo mastigar 42 vezes. Simplesmente não consigo. Nem quando a costela está meio emborrachada. Acho que não correrei os cem metros rasos aos 105 anos.

Deveria ser mais fácil passar dos cem. Segundo o Gênesis, era. Matusalém, o avô de Noé, viveu 969 anos. E Noé, o homem que não apenas salvou a humanidade, mas também plantou a primeira vinha, viveu 950 anos. O que aconteceu para que a expectativa de vida diminuísse? O Gênesis explica:

“Quando os homens começaram a multiplicar-se na Terra e lhes nasceram filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram bonitas, e escolheram para si aquelas que lhes agradaram. Então, disse o Senhor: ‘Por causa da perversidade do homem, meu espírito não contenderá com ele para sempre, ele só viverá 120 anos’”.

Não haverá de ser linear a interpretação desse texto, mas, veja: sempre as mulheres... Em todo caso, o que resta é que podemos viver 120 anos, e a Bíblia não fala em ter de praticar exercício, comer pouco e mastigar muito. Logo, mesmo sem adotar esses hábitos nipônicos, posso chegar lá. Estou cogitando com seriedade essa possibilidade. Já planejo minha festa de cem anos. Vou encomendar alguns barris de chope cremoso, muitos quilos de picanha e convidar todos os meus amigos. 

Mas todos! Estaremos num grande salão cheio de painéis, como numa exposição de fotos, e, na verdade, é isso mesmo que será: uma exposição de fotos dos afetos da minha vida: minha família, meus parceiros de infância, da faculdade, das redações em que trabalhei, os antigos vizinhos, os companheiros de mesa de bar, a turma do futebol, os que serão centenários, como eu, e os que já não estiverem mais debaixo do sol. 

Então, passaremos, munidos de nossos copos de chope e nossos nacos de picanha, passaremos diante de cada quadro e contaremos histórias do personagem retratado ou do momento em que a foto foi tirada. Ficaremos assim durante toda a noite, e quem sabe invadiremos o dia seguinte e outros mais. Vamos beber, comer, contar histórias e rir, sobretudo rir, porque a regra é que poderemos falar de tudo, até das partes ruins, mas sem jamais brigar, sem jamais ofender, sem jamais perder o riso. Afinal, já teremos bastante experiência para saber aproveitar só o lado bom de cada um de nós.

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