12 de setembro de 2015 | N° 18292
CLÁUDIA LAITANO
Hipsters vitorianos
Não tem nada a ver – ou talvez até tenha. Na semana em que a Apple lançou mais uma fornada de produtos com novos recursos, entre eles uma “tela touch 3D” (hã?), o texto mais comentado na imprensa americana não foi uma exposição detalhada de todos os motivos pelos quais aquele celular bala que você parcelou em 12 vezes no ano passado já virou relíquia, mas um relato em primeira pessoa sobre as delícias de viver como se o século 20 nunca tivesse existido.
Na quarta-feira, a jovem historiadora americana Sarah A. Chrisman, especializada na era vitoriana, publicou no site jornalístico Vox um depoimento sobre como ela e o marido, também historiador, decidiram há alguns anos abrir mão, gradativamente, de todos os confortos contemporâneos. Morando em uma casa construída na década de 1880, no Estado de Washington, o casal usa no dia a dia apenas aquilo que já existia na época da rainha Vitória.
Em vez de computador, caneta tinteiro e lacre de cera. No lugar da geladeira, uma caixa de gelo. As roupas, a escova de cabelo, a pasta de dente, a iluminação e até as bicicletas que usam para passear na vizinhança são originais do século 19, manufaturas de empresas que já existiam então ou recriações.
O texto imediatamente gerou reações inflamadas de ódio e desconfiança, além de muita zombaria. Houve quem escrevesse paródias divertidas, como o sujeito que dizia ter decidido permanecer para sempre em 2012, apesar do sofrimento de viver em uma sociedade que insistia em dar spoilers de séries que ele ainda não havia assistido ou cobrar que ele trocasse seu velho iPhone 5 por um modelo mais moderno. (Levanta a mão aí quem, no Brasil de 2015, não adoraria passar pelo menos um fim de semana em 2012, só pra relaxar...)
Os jovens hipsters vitorianos, sem falar na “dieta paleolítica”, sugerem que o consumo retrô da geração que reabilitou a máquina de escrever, o vinil e as câmeras LOMO está recuando cada vez mais longe no tempo em busca de inspiração para transcender os apelos do consumo compulsório de novos confortos e novas tecnologias que parecem ter tomado conta de todas as esferas da vida contemporânea – mesmo que para isso sejam obrigados a aderir a uma espécie muito específica (e charmosa) de consumismo: o consumismo vintage.
Podemos questionar se o século 19 seria mesmo um lugar tão bom assim para se viver, com legiões de mulheres, negros, judeus e pobres de todas as partes do mundo sendo tratados como cidadãos de segunda classe mesmo pela elite mais sofisticada das grandes metrópoles (duvido que o casal achasse tão divertido viver no Brasil imundo e escravocrata da década de 1880...), mas talvez haja nessa volúpia passadista algum tipo de recado escrito à mão com caneta tinteiro para o futuro: quanto mais a tecnologia nos empurra para necessidades que nunca tivemos, mais aumenta o fetiche em torno de tudo aquilo que parece não ter sido planejado para ficar obsoleto assim que sai da caixa.
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