sábado, 12 de setembro de 2015



13 de setembro de 2015 | N° 18293
ARTIGOS -DIANA LICHTENSTEIN CORSO*

SOMOS TODOS ESTRANGEIROS


Volta e meia, em nosso mundo redondo, colapsa o frágil convívio entre os diversos modos de ser dos seus habitantes. Neste momento, vivemos uma nova rodada dessas com os inúmeros refugiados, famílias fugitivas de suas guerras civis e massacres. Eles tentam entrar na mesma Europa que já expulsou seus famintos e judeus. Esses movimentos introduzem gente destoante no meio de outras culturas, estrangeiros que chegam falando atravessado, comendo, amando e rezando de outras maneiras. Os diferentes se estranham.

Fui duplamente estrangeira, no Brasil por ser uruguaia, em ambos os países e nas escolas públicas por ser judia. A instrução era tentar mimetizar-se, falar com o menor sotaque possível, ficar invisível no horário do Pai Nosso diário.

Certamente todos conhecem esse sentimento de sentir-se estrangeiro, ficar de fora, de não ser tão autêntico quanto os outros, ou não ser escolhido para o que realmente importa. Na infância, tudo é grande demais, amedronta, e entendemos fragmentariamente, como recém-chegados. Na puberdade, perdemos a familiaridade com nossos familiares: o que antes parecia natural começa a soar como estrangeiro. Na adolescência, sentimo-nos estranhos a quase tudo, andamos por aí enturmados com os da mesma idade ou estilo, tendo apenas uns aos outros como cúmplices para existir.

O fim desse desencontro deveria ocorrer no começo da vida adulta, quando trabalhamos, procriamos e tomamos decisões de repercussão social. Finalmente deveríamos sentir-nos legítimos cidadãos da vida. Porém, julgamos ser uma fraude: imaginávamos que os adultos eram algo maior, mais consistente do que sentimos ser. Logo em seguida disso, já começamos a achar que perdemos o bonde da vida. O tempo nos faz estrangeiros à própria existência.

Uma das formas mais simples de combater todo esse mal-estar é encontrar outro para chamar de diferente, de inadequado. Quem pratica o bullying, quer seja entre alunos ou com os que têm hábitos e aparência distintos dos seus, conquista momentaneamente a ilusão da legitimidade. Quem discrimina arranja no grito e na violência um lugar para si.

Conviver com as diferentes cores de pele, interpretações dos gêneros, formas de amar e casar, vestimentas, religiões ou a falta delas, línguas, faz com que todos sejam estrangeiros. Isso produz a mágica sensação de inclusão universal: se formos todos diferentes, ninguém precisa sentir-se excluído. Movimentos migratórios misturam povos, a eliminação de barreiras de casta e de preconceitos também. Já pensou que delícia se, no futuro, entendermos que na vida ninguém é nativo? A existência de cada um é como um barco, em que fazemos um trajeto ao final do qual sempre partiremos sem as malas.

dianamcorso@gmail.com - Psicanalista*

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