sábado, 19 de setembro de 2015



19 de setembro de 2015 | N° 18299 
DAVID COIMBRA

Massa com salsicha


Massa com salsicha ainda se tornará um cult. Massa com salsicha é como os romances noir. Houve um tempo em que os romances noir, os romances policiais, eram considerados subliteratura. Eram a massa com salsicha do mundo dos livros. Aí, H.L. Mencken entrou em ação. Mas, antes de dizer o que Mencken fez a respeito, preciso enfatizar que ele foi um dos maiores jornalistas de todos os tempos. Coisas que escreveu há um século se aplicariam ao que acontece hoje, inclusive no Brasil. Como:

“O pior governo é o mais moral. Um governo composto de cínicos é frequentemente mais tolerante e humano. Mas, quando os fanáticos tomam o poder, não há limite para a opressão”.

É o que sempre digo: a hipocrisia salva.

Mas o que importa foi o que Mencken fez acerca dos romances noir: ele fundou uma revista, a Black Mask, que publicava contos de gente como Chandler e Hammett. Logo, a revista se tornou popular, os grandes da literatura noir foram sendo conhecidos e viraram o que são: clássicos.

Numa das vezes em que entrei nos Estados Unidos, estava com um livro de bolso... bem, no bolso. Do casaco. Era um policial de capa amarela mole e páginas de papel escuro. O guarda da imigração o avistou, apontou e exclamou:

– Ah! Classic! Eu respondi: – Yeah!

Hoje, o mundo reconhece o poder do texto de um David Goodis, de um James Ellroy, de um Ed MacBain.

Chegará o tempo em que o mundo reconhecerá as delícias da massa com salsicha, e esse prato divino será servido nos restaurantes de três estrelas do Guia Michelin, em Paris.

Lembro de um dia, não muito tempo atrás, em que estávamos na praia, um grupo grande de amigos. Todos sentiam fome, ao que anunciei:

– Vou fazer uma massa com salsicha!

Meu amigo Admar Barreto, que é um gourmet, torceu o nariz e sentenciou:

– Não passará!

Jurou que jamais, em sua língua amestrada a suflês, deitar-se-ia um vulgar bocado de massa com salsicha. Que fazer? Baixei a cabeça e comecei a preparar à bolonhesa.

O que o Admar não sabia, e que poucos sabem, é que você pode adquirir, digamos, um vidro de salsicha Frankfurt importada da Alemanha, a terra soberana das salsichas, que na Alemanha existem 1,5 mil tipos de salsicha. Sim, você pode munir-se de um vidro de Frankfurt e, antes de abri-lo, refogar a cebola e o alho na gordura que escorreu do bacon aquecido em fogo baixo. 

Em seguida, com a cebola, o alho e as finas fatias de bacon crepitando feito lenha na lareira do inverno, você pode acrescentar as salsichas. Enquanto elas douram lentamente, como ninfetas se dourado ao sol da Praia Brava, você poderá também picar tomates vermelhos e maduros, pelo menos seis deles, dos luzidios, do tamanho do punho de um homem. Em seguida, você acrescentará o tomate ao refogado com salsicha e mexerá com uma colher de pau. Mexerá docemente. 

Talvez você ache prudente colocar um fio d’água. Tudo bem, desde que tempere com pimenta do reino, molho inglês, uma colher de mostarda e duas de ketchup. Mais uma pitada de sal e, isso é certo, você terá na panela um molho denso como um romance de Proust, vermelho como a camisa do Inter, cheiroso como a primavera. É claro que o macarrão estará esperando, prontinho, no escorredor de massa. Você o besuntará com um tablete de manteiga da espessura de uma caixa de fósforos Paraná e aí misturará tudo, a massa e o molho, unidos e inseparáveis, como um adolescente e seu celular. Enquanto a massa estiver fumegando, despeje por cima, e com fartura, queijo parmesão. Sirva com um tinto que o paladar refinado do meu amigo Admar aceite.

Voilà! O guarda americano, ao avistar seu prato, diria: – Ah! Classic!

E você: – Yeah!

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