quarta-feira, 2 de setembro de 2015


02 de setembro de 2015 | N° 18282 
DAVID COIMBRA

Prato feito


Uma coisa de que sinto falta por aqui, no norte da América, é do à la minuta, o chamado prato feito.

Nenhuma comida é mais brasileira do que o à la minuta, nem feijoada, nem farofa, nada. Você chega a um boteco do Centro e vê escrita a equação no quadro da calçada: “À la minuta + refri = R$ 10”.

É nesse que vou.

Você entra, se aboleta em frente à mesa de fórmica e, em três minutos e meio, verá, debaixo do nariz, um prato com arroz branco soltinho, feijão preto temperado com linguiça, salada de tomate e alface, batatas fritas do tamanho de um dedo, um bife dourado de um palmo de largura e, por cima de tudo, dois ovos fritos com as gemas moles, as claras duras e as bordas tostadas.

Do que você precisa mais? Da Coca gelada, claro.

Só no Brasil uma refeição tão singelamente deliciosa custa tão pouco. Ou, pelo menos, custava, quando eu trabalhava no Centro e pagava meu almoço com vale-refeição. Ainda existe vale-refeição?

Ah, recordo de pratos feitos gloriosos, para os quais olhava sorrindo em meio a um suspiro de prazer. E, em seguida, cortava um quadradinho simétrico de bife, mas não o comia. Não ainda. Deixava-o descansando num canto do prato e abastecia o garfo com feijão e arroz misturados e também com um pouco da gema amarela que eu havia adrede preparado, espetando-a com decisão e vendo o creme luminoso escorrendo sobre o monte branco do arroz. 

Só então, depois de ter equilibrado sobre o garfo a mescla de arroz, feijão e ovo, eu fincava o naco de bife e levava tudo à boca. Meu sonho sempre foi juntar nesta garfada também uma batatinha frita, mas aí seria um excesso, pelo menos para mim. Batatinha incluída é tarefa para os destemidos.

Você, que é fino, há de considerar esse meu almoço rude demais, vulgar demais. Seja. Reconheço que, dentro de mim, vive ainda, e sempre viverá, o subúrbio porto-alegrense, com seus botecos com ovo em conserva sobre o balcão e croquete na vitrine.

O fato é que o prato feito, ainda que afrancesado em à la minuta, é o príncipe das refeições brasileiras, é o símbolo da dignidade do trabalhador. Todo trabalhador deveria comer um prato feito ao meio-dia, tendo tomado média com pão e manteiga no café da manhã. Ele tinha que pedir um cafezinho de cortesia ao pagar a conta e sair conversando com o colega de trabalho sobre o novo centroavante que surgiu nos juniores do seu time. 

Ao chegar de volta à firma, ele disfarçaria uma ida ao bebedouro só para dar uma espiada naquela menina do DP que tinha vindo trabalhar de calça branca. Depois, comentaria com os amigos que ela lhe mandara uma olhada meio de lado, com jeito de que queria coisinha, eles dariam risada, dizendo que ele era uma baita de um mentiroso, ele riria de volta, concordando um pouco, e todos se acomodariam em seus postos, prontos para recomeçar a lida, não sem antes ele comentar:

– Cara, tava muito bom o bife, hoje, no bar ali da esquina.

Nenhum comentário: