Jaime
Cimenti
Meu pai
As
pessoas não morrem, ficam encantadas. Meu pai se foi de repente há 27 anos.
Está por aí, toda hora, ao menos enquanto o Alzheimer não me pegar de todo, eu
mantiver a memória e lembrar dele. Ele, o soldado, imigrante e batalhador
italiano que veio com minha mãe e meu irmão bebê para o Brasil em 1949 para
fazer a América. Lembro mais de como ele era, de seu exemplo e de suas ações do
que de suas palavras ditas ou escritas. O exemplo sempre permanece mais.
Quando
eu tinha seis anos, perdi a pasta do colégio com tudo dentro. No dia seguinte,
disse que não precisava ir à aula, pois não tinha material. Meu pai nada falou,
só me tomou pela mão, me levou numa papelaria, comprou caderno e lápis e me
levou de carro no grupo escolar. Geralmente ia a pé, mas o velho ficou com medo
que eu enforcasse a aula.
Quando
eu tinha uns 19 anos, estava para fazer vestibular e tal, andava meio perdido,
meio down e, numa manhã, estava sentado na cama, com preguiça de levantar e
começar o dia. Meu pai já estava pronto para ir trabalhar. Ele me olhou, pegou
a pasta dele e foi para a luta, sem dizer nada.
Esses
dias, a cena aconteceu de novo, na memória, onde tudo acontece muitas vezes.
Mas o grande vecchio era bom de palavras. Me ensinou que a verdade está no
meio, que nada em exagero presta. Socrático, falou que o que a gente deve saber
é que nada ou pouco sabe.
Disse
que o amor é o que mais interessa, que o corretor está de olho na comissão, que
é melhor não pedir dinheiro emprestado, melhor não fazer prestação, pagar à
vista com desconto. Ensinou que, se a gente não cuida das coisas da gente, os
outros se encarregam bem disso. Falou que eu poderia fazer o que quisesse da
vida, desde que fizesse alguma coisa.
Disse
que nós podemos ser nossos melhores médicos. O pai me ensinou cedo que, como
disse o outro, é dez por cento de inspiração e noventa de transpiração, na arte
e na vida. Ele me disse: por dia, oito
horas de trabalho, oito de descanso e oito de descanso. Ele me disse que, por
vezes, a gente cobra caro por algo ou por algum serviço, e aí pode ser que seja
uma vez só. Durante o dia, meu pai trabalhava, cuidava das coisas práticas,
depois das seis pensava em família, livros, música, amigos, festas, vinhos e
comidas.
Para
onde ele vive, em outra dimensão, mando lembranças afetuosas. Estou fazendo o
possível para ser o melhor pai para minhas duas filhas queridas, dentro das
minhas muitas limitações e esperando que elas, um dia, quem sabe semana que
vem, tenham os mesmos sentimentos e a mesma compreensão que eu tenho hoje
pelo meu pai.
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