sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Jaime Cimenti

Meu pai

As pessoas não morrem, ficam encantadas. Meu pai se foi de repente há 27 anos. Está por aí, toda hora, ao menos enquanto o Alzheimer não me pegar de todo, eu mantiver a memória e lembrar dele. Ele, o soldado, imigrante e batalhador italiano que veio com minha mãe e meu irmão bebê para o Brasil em 1949 para fazer a América. Lembro mais de como ele era, de seu exemplo e de suas ações do que de suas palavras ditas ou escritas. O exemplo sempre permanece mais.

Quando eu tinha seis anos, perdi a pasta do colégio com tudo dentro. No dia seguinte, disse que não precisava ir à aula, pois não tinha material. Meu pai nada falou, só me tomou pela mão, me levou numa papelaria, comprou caderno e lápis e me levou de carro no grupo escolar. Geralmente ia a pé, mas o velho ficou com medo que eu enforcasse a aula.

Quando eu tinha uns 19 anos, estava para fazer vestibular e tal, andava meio perdido, meio down e, numa manhã, estava sentado na cama, com preguiça de levantar e começar o dia. Meu pai já estava pronto para ir trabalhar. Ele me olhou, pegou a pasta dele e foi para a luta, sem dizer nada.

Esses dias, a cena aconteceu de novo, na memória, onde tudo acontece muitas vezes. Mas o grande vecchio era bom de palavras. Me ensinou que a verdade está no meio, que nada em exagero presta. Socrático, falou que o que a gente deve saber é que nada ou pouco sabe.

Disse que o amor é o que mais interessa, que o corretor está de olho na comissão, que é melhor não pedir dinheiro emprestado, melhor não fazer prestação, pagar à vista com desconto. Ensinou que, se a gente não cuida das coisas da gente, os outros se encarregam bem disso. Falou que eu poderia fazer o que quisesse da vida, desde que fizesse alguma coisa.

Disse que nós podemos ser nossos melhores médicos. O pai me ensinou cedo que, como disse o outro, é dez por cento de inspiração e noventa de transpiração, na arte e na vida.  Ele me disse: por dia, oito horas de trabalho, oito de descanso e oito de descanso. Ele me disse que, por vezes, a gente cobra caro por algo ou por algum serviço, e aí pode ser que seja uma vez só. Durante o dia, meu pai trabalhava, cuidava das coisas práticas, depois das seis pensava em família, livros, música, amigos, festas, vinhos e comidas.


Para onde ele vive, em outra dimensão, mando lembranças afetuosas. Estou fazendo o possível para ser o melhor pai para minhas duas filhas queridas, dentro das minhas muitas limitações e esperando que elas, um dia, quem sabe semana que vem, tenham os mesmos sentimentos e a mesma compreensão que eu tenho hoje pelo  meu pai.

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