sexta-feira, 8 de agosto de 2014


08 de agosto de 2014 | N° 17884
MOISÉS MENDES

Quem manda nos pátios?

Os alunos do tempo antigo eram disciplinados e respeitosos. Não acredite nessa conversa fiada. Comecei a frequentar o ginásio na segunda metade dos anos 60. Desde sempre, dos tempos bíblicos, a escola é também o reduto da desobediência.

O debate voltou à pauta porque o Conselho Estadual de Educação quer tirar das escolas a autonomia para expulsar alunos envolvidos em transgressões graves. É uma discussão sem fim.

Estudantes do ginásio do meu tempo afrontavam os professores, mas no limite da baderna. Eram guris e gurias de 11 a 16 anos, do Colégio Plácido de Castro, de Rosário. Havia espaço para os indisciplinados, mas não para os delinquentes de hoje, que batem em colegas e professores e destroem escolas.

Os delinquentes não sairiam impunes do pátio do Plácido de Castro. Apanhariam dos próprios colegas.

Vou confessar: eu surrei dois bagunceiros do Plácido. Foram duas das mais gratificantes vitórias de toda a minha vida. Nem eu acreditava. Venci as brigas, num espaço de um mês, por nocaute técnico. Os oponentes demoraram a se erguer do chão do pátio e nunca mais me enfrentaram. As surras me valeram a liderança da turma, por eleição secreta e direta na sala de aula.

Mesmo líder, fui mandado para a sala de detenção. Tinha 13 anos, havia me transformado num líder maduro por ter repetido o primeiro ano do ginásio. Era como se fosse um soldado velho do quartel. Ou um chefe de galeria de presídio que impõe respeito por antiguidade.

Venci as brigas e, nas duas vezes, tive de me submeter ao silêncio da sala para onde mandavam os desordeiros. Um professor vigiava num canto. O detido escolhia um livro e sentava-se, quieto, sem olhar para os lados. Geralmente, ficava ali durante todo o período.

As salas de detenção eram raras nas escolas, mesmo naqueles tempos de ditadura. Alguns colégios inspiravam-se no modelo conservador de punição dos americanos. Transgressores ficavam isolados. Na volta à aula, poderiam provocar um acesso de riso coletivo na turma, já na porta, e retornar à detenção.

Na semana passada, recebi convite para participar de uma festa de ex-alunos do Plácido. Me vi no pátio do colégio. Revi as brigas com os guris que me desafiaram como se fossem donos do pedaço. Senti os braços trêmulos depois do esforço nas surras aplaudidas. E isso que eu era frágil e asmático.

Surrei porque havia sido provocado. Transformei dois valentes em covardes resignados, sem forças para pedir revanche. E virei líder da sala. Os colegas mais agitados pulavam nas cadeiras e estouravam bombinhas jogadas pela janela, enquanto o professor Leão pedia clemência, em francês.

Não sei o que aconteceu com meus desafetos das duas brigas quando viraram homens. Eu me transformei num pacifista. Mas meu pacifismo tem limites. Estudantes vândalos, que não padecem de patologias, deveriam levar uma surra pedagógica de um colega no pátio da escola.

A ética e os códigos do pátio de um colégio também são formadores de caráter. Pátios são espaços orgânicos de convivência e de conflitos de uma escola.


Talvez falte hoje, além do respeito dos pais a professores já fragilizados, alguém da mesma faixa etária que imponha as leis do pátio a baderneiros agressivos. Como faziam nos filmes americanos de colégio e como se fazia no pátio do Plácido.

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