sexta-feira, 4 de abril de 2014

Jaime Cimenti

Abril de 1964

Tinha dez anos, morava em Bento Gonçalves, a melhor cidade, onde tive a graça de nascer. Cursava o quarto ano primário numa escola cujo prédio fora construído pelo Brizola, que, aliás, tinha levantado mais de seis mil. Naquela época, como disse o Quintana, eu não entendia nada da questão social, apenas fazia parte dela.

Estava mais interessado nos estudos, em jogar bola de gude e futebol, degustar sopa de capeletti e traçar galeto com radicci e polenta. No início de abril de 1964 a professora, logo ao entrar, disse, fervorosa, para nos dar esperanças e alegria, que deveríamos agradecer a Deus por sermos brasileiros, que estávamos livres dos totalitarimos do comunismo, que seríamos felizes e poderíamos fazer nossas escolhas numa democracia.

Fiquei feliz, patriótico, sonhador, éramos bicampeões mundiais de futebol e vivia em Bento, onde vi a luz do sol pela primeira vez e onde moram as melhores lembranças. O golpe deu no que deu. Fiz parte da “geração amordaçada”.

Em 1967, morava em Porto Alegre e estudava no Julinho. Participei de passeata, no Centro, pedindo mais pão, menos canhão e protestando contra a falta de liberdade e contra o acordo MEC-Usaid. Algumas pessoas se refugiaram na Catedral Metropolitana, onde a Brigada Militar entrou.

O cardeal Vicente Scherer controlou a situação. Em 1974, ingressei no Direito da Ufrgs e o general Geisel na Presidência. General Golbery, abertura lenta e gradual e tal, a gente foi levando. Felizmente, veio o movimento Diretas Já. Dia 13 de abril de 1984, eu e mais todas as torcidas fomos para a frente da prefeitura de Porto Alegre pedir eleições.

Tancredo, coração de estudante, lágrimas e Sarney, vá lá. Planos econômicos, inflação, Collor, Itamar, Plano Real (a maior conquista popular de nossa História), FHC, Lula e Dilma. Como disse o Tom Jobim, o Brasil não é para amadores e, falou o João Cabral de Melo Neto, o parto de nosso País é demorado. Entendo um pouco da questão social.

Apesar de tudo e de muitos, tenho que acreditar que a frase “O Brasil é o país do futuro e sempre será” é coisa do passado. O futuro chegou. Democracia, reforma política, mais controle de gastos públicos, mais escolas, metrôs e hospitais; menos corrupção, verbas públicas no futebol e impunidade. Mais federação, mais Brasil, menos Brasília.

Quando quero esperança e sonho, lembro da florescente Bento e da bossa nova, nossa melhor criação. Já andei um bocado pelo mundo, mas sopa de capeletti e galeto com radicci e polenta são a comida da alma. Liberdade, fraternidade e igualdade também. Ah, e sonhos infantis, a coisa  mais importante  dessa vida.

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