24
de abril de 2014 | N° 17773
L.
F. VERISSIMO | L.F. VERISSIMO
Eca!
Um
hipotético visitante extraterreno teria dificuldade em acompanhar uma refeição
da nossa espécie sem ter ânsias de vômito. Sendo um ser hipoteticamente
perfeito que só se alimenta de um límpido líquido azul, nosso visitante não
entenderia como os alemães conseguem comer repolhos azedos com tanta alegria
nem por que os americanos chamam o pepino estragado de “pickle” e o comem com
tudo e os franceses esperam o peixe apodrecer antes de comê-lo, enquanto os
japoneses nem esperam ele morrer.
E
todos se entusiasmam com um fungo de má aparência chamado “champignon” e entram
em êxtase com outro ainda mais feio chamado “trufa”, que é encontrado embaixo
da terra por porcas no cio. Aliás, nosso ET se engasgaria só de pensar em tudo
o que fazemos com os porcos, inclusive comê-los.
Mas
o que certamente faria nosso visitante correr para o banheiro seria descobrir
que os terrenos espremem um líquido branco e gorduroso das glândulas mamárias
de um animal chamado “vaca” – e o bebem! Depois de reanimado, o extraterreno
talvez gostasse de ouvir, já que se espanta tanto com os nossos hábitos
exóticos, que a vaca é um animal sagrado, e portanto intocável, na Índia, um
país em que se morre de fome. E que não apenas a vaca é sagrada, na Índia, como
suas pegadas são sagradas e, de acordo com a teologia hindu, 330 milhões de
deuses vivem dentro de cada animal, e que, portanto, matar uma vaca
significaria um verdadeiro teocídio.
Mas
que nada disso é tão estranho quanto parece: numa terra superpopulosa como a
Índia, a criação de gado para corte e consumo humano é indefensável. Quando se
comem animais que são alimentados com grãos, nove de 10 calorias e quatro de
cinco gramas de proteínas são perdidas. O animal usa a maior parte dos
nutrientes que poderiam ser destinados ao homem. No caso, um mito religioso
está a serviço de uma racionalidade camuflada.
Convencido
de que somos uma raça no mínimo contraditória, o ET ainda terá algumas
experiências nojentas pela frente. Verá pessoas destrinchando pequenos pássaros
fritos, com os dentes, pessoas comendo pernas de sapos e – o que contará com
mais horror quando voltar para casa – pessoas usando alfinetes para catar o
repugnante recheio de lesmas e levá-lo à boca. Lesmas!
Esclarecimento
O
Estadão publicou uma declaração minha sobre a morte do García Márquez que
terminava com a frase “Meu pai, Erico Verissimo, foi uma influência”. Assim
resumida e fora de contexto, a frase pede um esclarecimento. O Doc Comparato me
disse que há anos entrevistou o García Márquez e este lhe contou que tinha lido
o primeiro volume de O Tempo e o Vento e sido influenciado pela leitura. Até
que ponto, não sei.
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