30
de abril de 2014 | N° 17779
MARTHA
MEDEIROS
O coletivo em
chamas
Quando
bem criança, eu ia de ônibus com minha mãe para o centro da cidade. Era uma
aventura.
No
colégio, voltava para casa de ônibus todas as manhãs. Aliás, na primeira
excursão do colégio, fui com as colegas conhecer o Rio de Janeiro e lá nossa
pequena “máfia” (Ana, Alice, Suzana, Anelise...) ia de Botafogo para Copacabana
também de ônibus, escondidas das freiras – o máximo de rebeldia da nossa
adolescência.
Meu
primeiro namorado não tinha carro, ainda que tivesse habilitação: quando a
saída não era a pé, era de ônibus. Íamos a um boteco, a um show, a um parque –
de ônibus.
E
muito viajei de ônibus para Torres, Florianópolis, Canela, Santana do
Livramento, Montevidéu. Já fui até Salvador de ônibus, ida e volta. Eu não era
pobre: era jovem.
Depois,
surgiu o lotação, e com ele a promessa de maior conforto e agilidade: aderi. E
hoje não uso mais uma coisa nem outra, me desloco de automóvel e táxi, mas
nunca perdi o respeito pelo principal transporte público não só do Brasil, mas
de todos os países, inclusive daqueles que possuem metrô há mais de cem anos,
caso da Inglaterra e da Argentina.
Se a
roda é o símbolo-mor da evolução da humanidade, o ônibus é sua representação
mais significativa. Ele leva trabalhadores aos seus empregos, estudantes às
suas escolas, torcedores aos estádios, possibilita que as pessoas se visitem em
bairros e cidades distantes, faz a economia girar, põe a vida em movimento.
Todo
mundo, absolutamente todo mundo precisa de um, ou precisa de alguém que utiliza
um.
O
mesmo “todo mundo” que come pão e toma leite diariamente, só que ninguém faz
passeata contra o aumento do pão e do leite. No entanto, quando há aumento da
tarifa de ônibus, para-se uma cidade. Revoltados, os manifestantes enfrentam
policiais, quebram agências bancárias e incendeiam... ônibus? Logo os ônibus?
Qualquer
vandalismo é um tiro no pé, já que a cidade é de todos, mas queimar ônibus
desafia meu racionalismo, me deixa perplexa, principalmente pela frequência com
que tem acontecido. Virou uma banalidade, já nem é mais um ato político. Dos
motivos mais bobos, como no caso de o seu time ter perdido um jogo, até algo
mais trágico e emocional, como um tio atropelado na estrada, parece que a única
forma de protestar é riscar um fósforo e pronto, temos uma fogueira e um
revide. Só que não se está falando de um artefato de papel.
Um
ônibus é um bem enorme, pesado, robusto – e extremamente necessário na manhã
seguinte. Um ônibus. Dois. Sete. Agora imagine 34 ônibus queimados de uma só
vez, como aconteceu recentemente em Osasco, na grande São Paulo. Calcule o
prejuízo não só para a empresa proprietária dos veículos, mas para a sociedade.
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