10
de abril de 2014 | N° 17759
L.F.
VERISSIMO
Arrependimento
Ironia
climática: em meio a uma das maiores estiagens da nossa história, estreia no
Brasil o filme Noé, sobre o Dilúvio.
Noé,
filho de Lameque, é uma das figuras mais controvertidas da Bíblia. Na verdade,
a Bíblia mal começa e já nos apresenta seus dois personagens mais intrigantes,
Caim e Noé. É evidente, pelo que se lê em Gênesis, que Deus tinha outros planos
para Caim, não o de ser o primeiro vilão e o primeiro desterrado do mundo, mas
um dos fundadores da aventura humana sobre a Terra.
Deus
amaldiçoa Caim com uma marca que o identifica como assassino do seu irmão, mas
também o protege dos vingadores de Abel (“Qualquer que matar a Caim”, avisa o
Senhor, “sete vezes será castigado”) e permite que ele se case (até hoje
nenhuma exegese da Bíblia conseguiu explicar de onde, de que criação paralela,
saiu a mulher de Caim) e procrie, e construa uma cidade a que dá o nome do seu
primogênito Enoque, e inicie uma prole que incluirá Jabal, “pai dos que habitam
em tendas e têm gado”, e Jubal, “pai de todos que tocam harpa e órgão”. Nada
mal para um fratricida: acabar como patriarca, construtor de cidades e
precursor da pecuária e das artes. Abençoado por Deus, pode-se dizer, com a
marca da maldade.
Se o
Deus da Bíblia camuflou seu apoio a Caim, não há nada ambíguo na sua escolha de
Noé e família para sobreviverem ao Dilúvio, que viria para acabar com a vida de
todos, salvo os poupados, sobre a face da Terra. “Porque me arrependo de os
haver feito”, disse, textualmente, o Senhor. Dá-se pouca atenção a essa segunda
criação que parte do arrependimento.
O
Dilúvio é um grande gesto de autocrítica do Senhor. Transforma todo o relato bíblico,
de Adão e Eva até então, na descrição de um fracasso, de uma primeira tentativa
frustrada. Por que Noé, de cujas virtudes pouco se sabe, foi o escolhido para
construir a arca e se salvar do Dilúvio, é uma questão que deve ter intrigado
até a Noé. É difícil l imaginar que Deus tenha apelado para o unidunitê.
A
explicação da Bíblia para o arrependimento de Deus começa com uma acusação genérica:
“Aconteceu que, como os homens começaram a se multiplicar sobre a face da
Terra, lhes nasceram filhas. E viram os filhos de Deus que as filhas dos homens
eram formosas e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram”.
Nasceu
aí a corrupção que desagradou ao Senhor (as mulheres, sempre as mulheres). É claro
que Deus poderia ter simplesmente optado por criar mulheres menos formosas e
tentadoras, para não desencaminhar os homens, em vez de apelar para a
superprodução do Dilúvio – mas aí não teríamos uma boa história. Há dias,
escrevi aqui sobre o Bellini e a importância de um capitão de boa estampa para
levantar taças e cometi uma injustiça.
O
capitão do Brasil na Copa de 70, no México, não era o Brito, como eu escrevi. Era
o Carlos Alberto. Que não fez feio como levantador de taça.
Uma
correção
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