16
de abril de 2014 | N° 17765
MARTHA
MEDEIROS
Certinha, mas nem
tanto
A
moça me escreveu do Rio de Janeiro, onde recentemente havia prestado concurso
para um banco. Estava indignada, pois uma das questões da prova era de
interpretação de texto – um texto meu – e ela não se conformava de ter errado.
Havia marcado alternativa A, e o gabarito acusava que a resposta correta era a
D. Ela me enviou a questão e perguntou: estou tão louca assim?
Nada
louca. Eu teria marcado a questão A também, mas interpretação de texto é das
coisas mais subjetivas que existe, não entendo como ainda consta de provas. Que
em sala de aula se discuta o assunto, está certo, mas provas são eliminatórias,
e a chance de se promover uma injustiça é grande. A moça que me escreveu foi
injustiçada, assim como vários colegas dela que também não marcaram a resposta
que a banca elegeu como a correta.
Lamento
esses transtornos, mas ao mesmo tempo vibro quando me vejo inserida na sociedade
por vias assim pitorescas. Inúmeras ocasiões profissionais me trouxeram orgulho
– sessões de autógrafos, adaptações de teatro, palestras – mas é completamente
diferente quando você se depara, por exemplo, com seu nome numa revista de
palavras cruzadas, o que também já aconteceu. Virar desafio de palavras
cruzadas, assim como motivar questões de provas, me faz sentir a própria
Valesca Popozuda. É sinal de que você caiu na boca do povo. No melhor sentido.
Se
já vivi essas duas experiências, digamos, mais populares, agora cheguei lá: meu
nome está na letra de um hit da banda Bochincho. Você não conhece a banda
Bochincho? Somos dois alienados, eu também não conhecia. Bochincho é um grupo
de fandango que acaba de lançar a música Tá Querendo eu Dou. Narra a história
de uma menina que se faz de grande coisa, mas está longe disso. Diz a letra:
“Eu chamo no bate-papo/ Ela paga de santinha/ Frase de Martha Medeiros/Fazendo
o tipo certinho/ Mas no fundo é bandida/ E não rola nada sério”.
Não
é um poema?
Ok,
sem gozação. Uma ouvinte de rádio escutou a música e logo me comunicou por
e-mail, não sem antes alertar de que talvez eu me chateasse. Ora, por que iria
me chatear? Achei divertido. Pouco importa que não seja o tipo de som que eu
costume ouvir, o que vale é a farra, o inusitado, a graça da coisa. O fato de a
personagem da música querer se passar por certinha e me citar para conseguir
isso é um caso a ser levado para a terapia.
Para
a minha terapia. Ando mesmo sem assunto no divã, então esse viria a calhar: quanto
me vale essa imagem de “certinha”? Não seria um cárcere privado? Acho bem
saudável possuir um lado fandangueiro também, já que no céu só o que se ouve
são violinos e harpas, e ninguém quer pegar no sono tão cedo. Um arrasta-pé no
inferno, vez que outra, não há de manchar severamente meu currículo.
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