13
de abril de 2014 | N° 17762
VERISSIMO
Do nada
É
inescapável. Em todas as teorias sobre a origem do Universo sempre se chega a um
ponto em que a única explicação possível é a geração espontânea. Do nada se
criou a matéria. Acontece o mesmo com as anedotas. Você não conhece ninguém que
tenha inventado uma anedota.
Elas
surgem do nada, aparentemente autogeradas. Quem conta uma anedota sempre a
ouviu de outro, que a ouviu de outro, que a ouviu de outro, que não se lembra
onde a ouviu. Se contar anedota fosse crime, sua repressão seria dificílima.
Prenderiam os traficantes, a arraia-miúda, mas jamais chegariam ao
distribuidor, ao capo. Ao autor.
Os
humoristas profissionais não fazem anedotas. Fazem piadas, frases, cenas,
histórias. Mas as anedotas que correm o país não são deles. Uma boa anedota
geralmente tem o rigor formal de um teorema: exposição, desenvolvimento,
desenlace. Elas variam de acordo com quem conta. Grande parte do sucesso de uma
anedota depende do estilo de quem a conta. Existem contadores de anedotas
eméritos. E casos pungentes de grandes contadores que, com o tempo, perdem sua
habilidade até chegarem ao vexame de, um dia, esquecerem o fim de uma anedota.
– E
aí o anão pega o desentupidor de pia e...
– E
o quê? – Espera. Como é mesmo? Já me vem...
–
Não! Pior do que esquecer o fim da anedota é só se lembrar do fim.
–
Como é mesmo aquela? Termina com o homem dizendo pro índio “Fica com o escalpo
mas me devolve a peruca”. Puxa...
Há
quem diga que todas as anedotas são variações sobre dez situações básicas que
não mudam há séculos. Deus, depois de dar a Moisés a tábua com os Dez
Mandamentos, o teria chamado de volta e dito:
– E
esta é a das anedotas.
Contam
que, preocupado com a imagem de sombria falta de graça do regime comunista,
Stalin teria formado um Ministério do Humor para incentivar a produção de
anedotas em todo o território da União Soviética. Vários ministros tentaram mas
não conseguiram fazer com que surgissem boas anedotas, e foram mandados para a
Sibéria por terem fracassado. Finalmente, um ministro acertou, criou um
concurso e, com promessas de prêmios como fins de semana no Mar Negro para os
vencedores, provocou uma onda de anedotas, todas contra o Stalin, que tiveram
grande aceitação popular. E assim o ministro escapou de ser mandado para a
Sibéria por ter fracassado. Foi mandado para a Sibéria por ter espalhado
anedotas sobre o Stalin.
A
anedota costuma ser uma grande manifestação de inteligência clandestina, que
mantém vivo o espirito crítico – o que não justifica que seja estudada com
rigor acadêmico, o que só lhe tiraria a graça. Mas quem quiser saber o que
pensavam os brasileiros dos seus líderes desde o primeiro Pedro deve procurar
nas anedotas, não na história oficial.
O
fato é que um computador poderá, um dia, escrever sozinho teses e romances, mas
duvido que possa inventar anedotas. Não adiantará alimentá-lo com os
ingredientes necessários, ele jamais saberá o que fazer com o anão e o
desentupidor de pia.
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