16
de abril de 2014 | N° 17765
LUCIANO
ALABARSE
Arte é uma
coisa
Controversos
artigos sobre a arte pública que ocupa nossas ruas têm merecido ampla
discussão. Opiniões antagônicas mostram divergências acirradas. Essa questão, o
que em arte é pertinente e tem valor, não se restringe às artes plásticas. No
teatro, também o circo pega fogo. Afinal, gosto se discute ou não?
Argumentos
contrários sempre puxam a brasa para sua própria sardinha. Nas artes cênicas,
tudo é jogado no mesmo saco: teatrão, teatro experimental, besteirol, musicais,
monólogos, o que pintar. Para além das opiniões especializadas, ainda é o
público, este ente eternamente cortejado, o avalista maior às manifestações
artísticas, embora nem sempre reconheça e corresponda ao que lhe está sendo
oferecido.
Friedrich
Schiller, em 1803, no prólogo que acompanhou a impressão de A Noiva de Messina,
obra em que propôs inúmeras inovações dramatúrgicas, afirma: “Não é verdade que
o público faz baixar o nível da arte; é sempre o artista que rebaixa o público,
e em todas as épocas em que a arte decaiu, ela declinou por causa dos artistas.”
E complementa: “uma vez que comece a se contentar com o que é ruim, o público
não mais exigirá da arte a excelência que ela deve apresentar”.
Arte
é uma coisa, entretenimento é outra. Linguagens distintas, objetivos
diferentes. Guardadas as distinções, que por aqui soam como ofensa pessoal – e
não são –, arte e entretenimento devem e podem coexistir, na boa. Quando vejo
um filme de ação, e vejo muitos, quero explosões escapistas e tiroteios
absurdos. No teatro e na música, não consigo o juízo de valor condescendente.
Não adianta: não gosto de música sertaneja ou de pagode romântico, peças de
dramaturgia rala não me convencem, montagens caça-níqueis não me tiram de casa.
Tais
ofertas têm um público cativo, revelando-se atividade rentável e provedora. Bom
pra quem gosta, ótimo pra quem faz, o rancho do mês garantido. Arte, no
entanto, é outra coisa. É quando, depois de uma apresentação, a plateia sai
disposta não só a aproveitar a pizzaria da esquina, mas transformada em seu
apuro e percepção. Arte teatral é Incêndios, da Marieta Severo, ou Medeia
Vozes, do Oi Nóis, peças que iluminam os breus do gosto e fazem a loucura da
vida valer.
No
dia da morte de duas ciclistas porto-alegrenses, lia Mãos de Cavalo, no qual,
logo no primeiro capítulo, Daniel Galera nos dá uma aula magna sobre
bicicletas, por meio dos olhos e do tombo colossal de um menino de dez anos.
Rezei pelas vítimas lendo o romance de uma vez só. Que fossem as palavras de um
livro incrível a me consolar ante a insensatez dessa tragédia é um fato
alentador.
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