12
de abril de 2014 | N° 17761
CLÁUDIA
LAITANO
O tempo do talento
Muita
gente disse, e eu concordo: José Wilker era o Jack Nicholson brasileiro. As
semelhanças entre os dois atores aparecem tanto na persona pública que adotaram
– a do sujeito cínico e sedutor, sempre afetando certa indiferença pelo que está
rolando em volta – quanto na forma como conduziram suas carreiras. Ambos foram
grandes atores na juventude, mas, em algum momento, acomodaram-se sobre o próprio
sucesso, tornando-se, na maior parte do tempo, intérpretes de si mesmos em cena.
José
Wilker e Jack Nicholson foram “early bloomers”, talentos que se revelaram cedo
e de forma explosiva. Picasso foi um “early bloomer”: embora tenha pintado e
vivido muito, suas obras mais importantes são as da juventude. Cézanne, por sua
vez, foi um “late bloomer”, um gênio que se aperfeiçoou com o passar do tempo.
O
talento precoce é cobrado pelo passado brilhante – Orson Welles, que dirigiu
seu melhor filme aos 25 anos, é o exemplo clássico do gênio atormentado pela
explosão criativa da juventude. Já o talento tardio corre o risco do descrédito
ou de mal ter tempo de aproveitar o próprio sucesso – caso de Van Gogh, que
demorou para descobrir sua verdadeira vocação e não viveu o suficiente para ver
seu gênio reconhecido.
Costumamos
associar a genialidade mais facilmente aos talentos precoces, como o de Mozart.
Já gênios da maturidade, como Machado de Assis, têm a vantagem de cumprir uma
trajetória ascendente. O talento, nestes casos, parece percorrer o caminho
oposto ao da natureza: se o corpo vai ficando mais frágil, mais vigoroso vai se
tornando o espírito criativo.
Pode
haver algo melancólico no artista que parece sempre em dívida com as próprias
realizações, mas a arte se alimenta tanto desses Big Bangs de energia criativa,
que explodem e muitas vezes se consomem em pouco tempo, quanto das trajetórias
lentas e consistentes que vão tomando forma ao longo de décadas.
Para
artistas ou gente comum, early ou late bloomers, tem se tornado cada vez mais
necessária a reinvenção, na maturidade, da trajetória profissional. Para
alguns, essa reinvenção é imposta pelas transformações do mundo em volta, já que
a tecnologia, de uma forma ou de outra, afetou quase todas as profissões que
existem – e mais ainda as que deixaram de existir. Em muitos casos, porém,
essas mudanças nascem do desejo, cada vez mais comum, de sentir-se motivado e
realizado no trabalho, mais do que apenas recompensado materialmente.
José
Wilker parecia desinteressado como ator (sua última fala, em sua última novela,
foi tristemente desimportante e indigna de seu passado), mas, na véspera de sua
morte, estava dirigindo um espetáculo para o teatro – onde, talvez, estivesse
depositando o melhor da sua energia no momento.
No
final das contas, a medida da realização pessoal na profissão talvez esteja
menos ligada ao momento em que se atinge o auge da carreira, mas na capacidade
de continuar apaixonado por aquilo que se faz até a última cena.
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