18
de abril de 2014 | N° 17767
GENTE
Gabriel García Márquez 1927 -
2014
“Em
seus romances e contos, o fantástico e o real se combinam num mundo densamente
composto pela imaginação, refletindo a vida e os conflitos de um continente.”
Foi assim que a Academia Sueca definiu a obra de Gabriel García Márquez (1927 –
2014), ao conceder, em 1982, o Nobel de Literatura ao autor colombiano. O
escritor morreu ontem, na Cidade do México, em decorrência de um câncer que
atingia seus pulmões, gânglios e fígado. Em 2012, a família anunciara que García
Márquez sofria de demência senil.
Considerado
um dos mais importantes escritores do século 20, García Márquez será lembrado
como um dos ícones do boom da literatura hispano-americana nas décadas de 1960
e 1970. Autor da obra-prima Cem Anos de Solidão (1967), foi um dos precursores
do realismo fantástico, gênero à mesma medida político e fabular com o qual os
autores latinos burlavam a censura dos regimes autoritários.
Foi
de conterrâneos e escritores dos países vizinhos que Gabo, como era conhecido,
lembrou ao ser anunciado o quarto latino-americano a receber o Nobel (antes
dele, houve a chilena Gabriela Mistral, em 1945; o guatemalteco Miguel Ángel
Asturias, em 1967; e o chileno Pablo Neruda, em 1971):
–
Este prêmio não deve ser considerado só uma distinção para mim, mas para toda a
literatura latino-americana, e um reconhecimento ao futuro da literatura em
nosso continente.
García
Márquez nasceu em Aracataca, norte da Colômbia. Morou desde os dois anos de
idade com os avós, antes de cursar o Colégio de Jesuítas e a faculdade de
Direito na Universidade de Bogotá. O trabalho como jornalista o levou a vários
países – como correspondente, trabalhou em Roma, Paris e Nova York. Escolheu o
México para viver definitivamente em 1981, após idas e vindas entre a Europa e
a América. A insegurança em uma Colômbia assolada por cartéis e o autoritarismo
do governo colombiano foram decisivos para a mudança. Nos EUA, acrescente-se,
Gabo chegou a ser perseguido pela CIA por suas conexões com Havana.
Se a
história de seus pais, Gabriel Eligio García e de Luisa Santiaga Márquez,
serviria de mote para o romance O Amor nos Tempos do Cólera (1985), um dos mais
festejados de sua trajetória, as aventuras militares do avô Nicolas e o gosto
pelas lendas manifestado pela avó Tranquilina são tidos como fontes de
inspiração para Cem Anos de Solidão. A obra de Erico Verissimo também foi uma
referência na criação desse clássico, como o próprio Gabo afirmou:
– O
Tempo e o Vento foi um dos três romances que estudei para escrever Cem Anos de
Solidão. Verissimo foi genial ao manejar a saga de uma família através dos
tempos.
A
excelência e a complexidade de sua obra pareceram inibir adaptações para o
cinema – neste sentido, Cem Anos de Solidão, filme várias vezes anunciado mas
nunca de fato realizado, é o melhor exemplo. De todos os seus livros, ganharam
adaptações conhecidas O Veneno da Madrugada (2006) e Erêndira (1983), ambas
dirigidas pelo moçambicano radicado no Brasil Ruy Guerra, O Amor nos Tempos do
Cólera (de Mike Newell, 2007) e Memória de Minhas Putas Tristes (Hennig
Carlsen, 2011), este último ainda inédito no circuito comercial brasileiro.
Vale lembrar que Gabo chegou a dirigir um curta-metragem (A Lagosta Azul, de
1954) e atuar como crítico de cinema, além de, já nos anos 1980, ter sido um
dos mentores da Escola Internacional de Cinema e Televisão, com sede em Cuba.
Desde
1955, quando estreou com O Enterro do Diabo, foram mais de 30 volumes, milhões
de exemplares vendidos (mais de 30 milhões, estima-se, apenas de Cem Anos de
Solidão) e traduções em dezenas de línguas. Em quase 60 anos de carreira
literária, lançou outros tantos clássicos como Ninguém Escreve ao Coronel
(1961), Crônica de uma Morte Anunciada (1981), Notícia de um Sequestro (1996) e
Memória de Minhas Putas Tristes (2004).
Mais
do que as amizades com líderes como Fidel Castro e as brigas como aquela com o
peruano e também Nobel Mario Vargas Llosa (que rendeu uma afamada fotografia de
Gabo com o olho roxo), é a força dessa obra plural e aclamada pela riqueza
estética e pela representatividade política que García Márquez deixa como
legado.
CLÁSSICOS
DE GABO
Ninguém
Escreve ao Coronel (1961)
-
Foi uma das primeiras histórias ficcionais publicadas pelo autor e sempre era
citada como uma de suas favoritas. Vivendo na penúria com a mulher, homem passa
a acreditar que pode ganhar dinheiro treinando seu galo para rinhas.
Cem
Anos de Solidão (1967)
-
Aclamada por Pablo Neruda como “a maior revelação em língua espanhola desde Dom
Quixote de La Mancha, de Cervantes”, é a obra-prima de Gabriel García Márquez.
Mesclando elementos da cultura popular e indígena com pitadas de surrealismo,
humor e crítica social, narra a saga de gerações da família Buendía no povoado
de Macondo, muitas vezes interpretado como uma metáfora da América Latina.
O
Outono do Patriarca (1975)
-
País fictício, localizado às margens do Mar das Caraíbas e praticamente sem
relações com o mundo externo, é dominado por um ditador tão solitário quanto
autoritário. Na figura do velho general, García Márquez recria o estereótipo
das ditaduras da América Latina do século 20.
Crônica
de uma Morte Anunciada (1981)
- Um
impressionante exercício narrativo: um romance que anuncia o assassinato do
protagonista logo na primeira linha e, ainda assim, prende a atenção do leitor
diante do destino inevitável de Santiago Nassar. Acusado de desonrar a jovem
Angela Vicario, ele não escapará da vingança dos irmãos da garota.
O
Amor nos Tempos do Cólera (1985)
-
Trata da possibilidade do amor em diferentes momentos. A narrativa acompanha o
apaixonado Florentino, que espera pelo amor de Firmina por décadas, da
juventude à velhice. O romance foi levado às telas por Mike Newell, em 2007,
tendo Javier Bardem e Fernanda Montenegro no elenco.
Memória
de Minhas Putas Tristes (2004)
- Ao
completar 90 anos, um homem decide dar a si mesmo, como presente, uma noite de
sexo com uma virgem. Embrutecido pelos descaminhos que sua vida tomou, o
personagem divaga a respeito das desventuras que o levaram até o leito da jovem
– que ele acaba sequer tocando. Este é o último livro ficcional de Gabo, que
encerra a carreira literária em grande forma.
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