14
de abril de 2014 | N° 17763
LIBERATO
VIEIRA DA CUNHA
Passado e presente
Quando
chega a velhice, esse outono a que chamam erradamente de a melhor idade? A
minha chegou ontem. Estava em um restaurante e a menina da mesa ao lado, com a
sabedoria de seus três aninhos, me chamou de repente de vovô.
De
retorno a casa, achei que precisava ler sobre o fenômeno. Descobri primeiro que
há toneladas de papel devotadas ao tema. Segundo, que noventa por cento dos
autores o abordam de um ângulo pessimista. Há 22 séculos, Terêncio, o grande
dramaturgo romano, já escrevia: “A própria velhice é uma doença”. Animador, não?
Quase
seu contemporâneo, Cícero, em De Senectute, aconselhava: “Torna-te velho cedo
se quiseres ser velho por muito tempo”. Bem mais jovem, Ovídio advertia: “Grande
foi outrora o respeito à cabeça encanecida”, o que, bem lido, significa que já no
tempo de Cristo não se tinha consideração pelos cabelos nevados.
Shakespeare,
em Hamlet, põe na boca de Rosencrantz este primor de ironia: “Dizem que a
velhice é a segunda infância”. Swift não poderia ser mais realista: “Todo mundo
quer viver muito tempo, mas ninguém quer ficar velho”. Nem Trotsky, em seu Diário
do Exílio: “A velhice é a mais inesperada das coisas que acontecem a uma pessoa”.
O único
antídoto conhecido talvez seja amar, tanto quanto o próximo, o momento presente.
Meu avô materno viveu 105 anos, com uma saúde de ferro. No seu centenário, fez
questão de dançar com as moças mais bonitas da festa. Diante de tão esplêndido
testemunho humano, eu fazia questão de perguntar-lhe coisas do passado, já que
ele nascera antes do automóvel, do avião, da luz elétrica.
O
seu Achylles era atencioso: nunca deixou de me responder, mas nem bem começava
a abordar um tema de antigamente, voltava para o presente do indicativo. O que
eu achava do tal de Fernando Henrique? A inflação ia voltar? O real ia dar
certo? A guerra fria tinha mesmo terminado? A democracia desta vez havia
retornado para ficar?
Caminhava
muitas quadras por dia em Cachoeira, rumo a seu posto de trabalho, que nunca
abandonou. Fumava um único cigarro palheiro após o almoço, isso até os 70 anos.
Mesmo depois dos cem não recusava um uísque de rótulo importado.
Comecei
esta crônica com algumas citações. Me permitam uma última, desse grande anglo-americano
que foi T.S. Eliot: “O tempo presente e o tempo passado / Talvez ambos estejam
presentes no tempo futuro / E o tempo futuro contido no tempo passado”. Seu
Achylles ia gostar dela – e quem sabe, um dia, a menina de três anos.
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