27
de abril de 2014 | N° 17776
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Troque o pneu!
Não
faça como eu, que chamou a seguradora, e não se pôs em ação.
Não
faça como eu, que já decepcionou a co-piloto ao lado.
Ela
aguardava o Hércules de graxa dentro de mim, um Sansão suado de minhas
clavículas.
Estava
ansiosa pelo mecânico que se escondia por detrás do poeta, curiosa pelo macacão
jeans debaixo do terno.
Não
deixe que um terceiro diga que o pneu furou, repare que o carro está manco
enquanto dirige, mostre que conhece o equilíbrio de seu automóvel tal extensão
de seu corpo.
Não
permita que esta chance de masculinidade se evapore com a preguiça.
Ao
constatar que o pneu murchou, desça do carro e chute a roda. No meio da calota,
para fazer barulho de cuíca. Solte desaforos, critique a injustiça.
Pode
babar, cuspir, xingar o prefeito e os buracos.
Cai
bem o acesso de raiva diante da plateia feminina.
Descubra
o motivo do infortúnio. Se localizar um prego, não trate com a insensibilidade
de uma agulha na almofada de costura, exagere que é do tamanho de um arpão. Não
subestime a cratera com delicadezas, não aja com melindres, não alise os
frisos.
É o
momento de ser truculento, passional, tosco.
Não
tente contornar o problema técnico com cantadas e declarações açucaradas.
Naquela
hora, sua companhia não quer um Wando, não aplaudirá um Sidney Magal.
O
palco da conversa é outro. Sem requebros. Sem palavras inteiras e rimas.
Explore urros e resmungos. Não é para entender o que está falando mesmo.
É
ação, aventura, adrenalina. Não explique seus passos. Mantenha o mistério.
Sua
companhia procura o homem primitivo. Alguém que ofereça proteção e conforto,
resolva as crises e enfrente a vida quando enguiça.
Ela
espera sua destreza no instante de levantar o assoalho do bagageiro, que não
pergunte onde fica a estepe, a maior humilhação na reposição de peças. Espera
que pegue a chave de fenda e o macaco com rapidez. Que não peça ajuda de
ninguém e, principalmente, que não reze. Espera uma longa imundície avessa a
qualquer compaixão, que tenha os cotovelos e os joelhos besuntados e não se importe
em como retirar as manchas.
Espera
que demonstre sincera aptidão ao girar a manivela e alçar o veículo dois
degraus acima. Espera o exame da Ordem dos Machões do Brasil (OMB), o gabarito,
o despojamento para desenroscar os parafusos gigantes. Espera o trabalho
completo, que se agache com brilho e virilidade, não de quatro, não expondo o
cofrinho, não de qualquer jeito.
Capriche,
mas não demore. Pois sua mulher permanecerá atenta ao tempo da troca enquanto
simula conferir o estado do esmalte de suas unhas. Ligará o cronômetro, é o Pit
stop do casamento.
Ao
final da operação, diga que foi fácil e simples, esfregue as mãos com desleixo
e busque abraçá-la.
O
troféu da cena é o empurrão de seu amor, reclamando que assim vai sujá-la.
Você
será respeitado dali por diante.
Respeitado
– pelo menos – dentro do carro.
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