ELIO
GASPARI
Anatomia de uma
maracutaia
Os
planos de saúde queriam o céu: descumpririam o que contrataram e a multa de R$
4.000 sairia por R$ 40
A
doutora Dilma Rousseff ganhou um presente. A Câmara e o Senado puseram a bola
na marca do pênalti, para que ela vete o dispositivo da medida provisória 627,
que alivia as multas devidas pelos planos de saúde que negam aos clientes o
atendimento contratado. Enfiaram num texto que tratava de outros assuntos uma
nova sistemática para a cobranças dessas penalidades. É o Pró-Delinquente. Se
uma operadora nega ao freguês um procedimento médico, ele se queixa à Agência
Nacional de Saúde e tem seu direito reconhecido, a empresa deve pagar uma multa
de R$ 2.000.
Se
essa mesma empresa nega dez procedimentos, pagará R$ 20 mil. Com a mudança, se
o plano de saúde negar de 2 a
50 procedimentos, pagará duas multas (R$ 4.000, em vez de até R$ 100 mil). Daí
em diante, haverá uma escala. Quanto pior o serviço da operadora, menor será a
multa. A empresa que estivesse espetada com mais de mil multas, pagaria apenas
o equivalente a 20. Incentivando a infração, se um plano nega dois
procedimentos, paga R$ 4.000. Se nega mil procedimentos, paga R$ 40 por
infração.
O
Pró-Delinquente foi um dos 523 contrabandos enfiados na MP 627. Como emenda
parlamentar não é o vírus da gripe, que vem no ar, alguém a pôs no texto. O
relator da medida provisória foi o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele chegou
a defender o dispositivo durante a votação pela Câmara. Dias depois, recuou,
explicando-se: a mágica foi discutida com os ministérios da Saúde e da Fazenda,
bem como com a Casa Civil da Presidência. Como esses prédios não falam, faltou
dizer com quem discutiu o assunto. Além de Cunha, o relator da MP, não há
registro de outro parlamentar patrocinando a iniciativa.
A
mágica foi aprovada na Câmara com o beneplácito das lideranças do governo e da
oposição. Remetida ao Senado, aconteceu a mesma coisa. Tantos são os interesses
embutidos na MP que os senadores preferiram apressar a tramitação, esperando
que a doutora Dilma vete o Pró-Delinquente.
Criou-se
um novo absurdo. Os senadores abdicaram da prerrogativa republicana do consentimento.
Se o Senado aprova um projeto esperando que o Executivo vete a maluquice, fica
a pergunta: para que serve o Senado, cujos doutores têm assistência médica
gratuita?
Quando
a doutora Dilma vetar o Pró-Delinquente (se vetar) ficará no heroico papel de
defensora da Viúva, dos pobres e dos oprimidos, mesmo sabendo-se que seu
governo e sua base aliada permitiram que o contrabando fosse colocado na medida
provisória e aprovado no Congresso.
A
PIOR TACADA
A
Comissão de Valores Mobiliários encaminhou à Polícia Federal o inquérito que
trata de tráfico de informações com operações das empresas de Eike Batista nas
Bolsas de Valores.
Quando
a OGX parecia ser uma fábrica de milionários, Eike, o homem mais rico do
Brasil, foi a um jantar em Miami, na casa do milionário Jeffrey Soffer, marido
da modelo Elle MacPherson. Lá, conversando com Alex Rodriguez, que estava com
sua mulher, Cameron Diaz, disse-lhe que nos próximos dias sua empresa
anunciaria fantásticas descobertas de petróleo. Alex, o melhor jogador de beisebol
dos dias de hoje, sacou o telefone, foi para um canto e conversou com seu
corretor.
Trouxe
de volta o recado do operador: "Ele disse para eu
esquecer
essa história e não voltar a mencioná-la, porque se o fizesse, iríamos os dois
para a cadeia".
Grande
corretor. Alex Rodriguez esteve a um passo da pior tacada de sua vida. Cada
dólar que tivesse posto na OGX valeria hoje um centavo.
PT
Pela
primeira vez desde 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão, o PT enfrenta
uma divisão perigosa.
De
um lado, a turma do "partir para cima", defendendo qualquer
companheiro, em qualquer situação, liderada pelo deputado Cândido Vaccarezza.
De outro, o grupo que prefere jogar alguma carga ao mar. Nele, fica o
presidente do partido, Rui Falcão.
Falta
pouco para que se possa dizer que a nação petista tem dois blocos: um com
alguma ideologia e algum fisiologismo; outro, só com fisiologismo.
ARITMÉTICA
As
últimas pesquisas são insuficientes para que se preveja o resultado da próxima
eleição, mas uma mesma conclusão atravessa todos os números: o PT está sem
puxador de votos.
Um
mau desempenho da doutora Dilma afetará todo o partido.
*COBRAS
DA PF *
O
andar de cima da Polícia Federal, como o Itamaraty, é um ninho de cobras que
alimentam inconfidências sobre promoções e remoções.
O
último assunto desse ofidiário são as transferências ocorridas nos quadros da
Polícia Federal do Paraná, onde rolam as investigações sobre as atividades do
doleiro Alberto Youssef e suas conexões no triângulo dos três pês: PT, PP e Petrobras.
TROPA
NA COPA
O
Planalto está com transtorno bipolar quando lida com a Copa. Como diria a
doutora Dilma, "no que se refere" aos seus discursos, ela anuncia que
não vai tolerar desordens e que as Forças Armadas serão mobilizadas para
garantir a ordem. Conversa de comissário de polícia.
No
que se refere à marquetagem, contrata agências de publicidade para adocicar o
evento.
Presidente
zangado, o Brasil já teve um, o general João Figueiredo (1979-1985). Deu no que
deu.
*GARCÍA
MÁRQUEZ *
Para
a memória de Gabriel García Márquez:
Havia
um jantar em Havana e Fidel Castro, um retardatário imperial e compulsivo,
chegou atrasado. Faltava Gabriel García Márquez. Quando ele chegou, o
Comandante alfinetou-o:
-As
pessoas mais importantes sempre são as últimas a chegar.
-Por
isso, e também porque vim de longe. Respondeu o escritor.
UMA
LIÇÃO QUE VEM DA CHINA
O
doutor Eduardo Cunha, relator da MP 627, fez uma breve "villegiatura"
pela China. Teve a oportunidade de conhecer a inovação que o presidente Xi Jinping
introduziu na política do Império do Meio. Convivendo numa cleptocracia na qual
há espertalhões amigos e inimigos, ele parece ter mudado o padrão de combate
aos larápios. Há dois anos ele afastou o czar da segurança chinesa (Zhou
Yongkang, mas não adianta tentar memorizar esse nome). Desde então, dedica-se a
desmantelar seu aparelho.
Na
semana passada, prendeu pelo menos dois mandarins, mas a novidade está em outra
ponta. Em vez de sair prendendo, o companheiro avança sobre o patrimônio dos
comissários. Com todas as ressalvas que devem acompanhar detalhes da política
interna chinesa, já teriam sido confiscados US$ 14,5 bilhões de 300 amigos e
protegidos do comissário. Antes de ir para o aparelho de segurança, ele fez
fama na burocracia do petróleo. Condenar ladrão a viver como pobre talvez seja
mais prático do que mantê-lo na cadeia.
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