20
de abril de 2014 | N° 17769
MARTHA
MEDEIROS
Casa comigo
Os
dois namorados estavam dentro do carro, à noite, estacionados em frente ao
prédio da excelentíssima, discutindo a relação. Discutindo mesmo, aos berros,
brigando. Em meio a algum pra mim chega!, surgiram dois meliantes armados e interromperam
aquele bate-boca. Transferiram os namorados para o banco de trás e saíram em
disparada com eles: sequestro relâmpago. Rodaram a cidade durante 50 minutos,
fizeram saques em caixas eletrônicos, até que os levaram para um lugar ermo, no
meio do mato.
Duas
coronhadas, uma em cada um, rostos sangrando, mas era pouco: despiram os dois,
deixando-os apenas com a roupa de baixo, e os amarraram em troncos de árvores.
Não houve agressão sexual, mas não se pode dizer que foi um passeio no bosque.
Em plena madrugada, abandonaram o casal imobilizado e seguiram com o carro do
rapaz rumo à impunidade garantida.
Restou
o silêncio. Assustados, os dois tentaram, tentaram de novo, e conseguiram,
finalmente, se desamarrar. Livres, sozinhos, sem saber onde estavam, olharam um
para o outro e tiveram um ataque de riso. Ele a abraçou fortemente e só
conseguiu dizer duas palavras: “Casa comigo”.
Aconteceu
mesmo. Quem me contou, olho no olho, foi a protagonista feminina da história.
Eu não conseguiria imaginar pedido de casamento mais romântico. Sem vinho, sem
luz de velas e sem anel de brilhantes – um pedido movido simplesmente pela
emergência da vida, pela busca de uma felicidade genuína, pela supressão da
razão em detrimento da emoção verdadeira.
Estavam
para morrer, os dois. Foram unidos pelo mesmo pensamento desde que foram
surpreendidos por dois estranhos armados: acabou. Não tem mais por que discutir
a relação. Não tem mais relação. Não tem mais manhã seguinte. Não tem mais
futuro. Acabou. Que perda de tempo. Para que brigar? Para que se estressar com
ciúmes, com queixas, com mágoas? Acabou.
E
então descobrem que não acabou. Desamarram-se, estão nus por fora e por dentro,
despidos de qualquer racionalidade, apenas aliviados com o desfecho da aventura
e absolutamente tomados pela potência do que é essencial na vida. O amor.
Casa
comigo.
Estão
casados há 10 anos. Não sei se plenamente felizes. É provável que os motivos
dos ciúmes e das queixas e de tudo aquilo que explodiu naquela discussão dentro
do carro antes do sequestro tenha se repetido outras vezes. A realidade impõe
os seus caprichos. Obriga a gente a pensar e manter a sanidade. Maldita
sanidade.
Mas
houve um momento em que eles não pensaram. Só sentiram. Sentiram tudo. Sentiram
sem amarras. Sentiram soltos. Sentiram livres. Pura emoção. E a emoção se
impôs: casa comigo. Tiveram os piores padrinhos do mundo: a violência e o medo.
Mas que beijo deve ter sido dado ali no meio do nada.
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