20
de abril de 2014 | N° 17769
MARIO CORSO
O inferno é personalizado
A
transformação era assustadora. Meu amigo levava uma vida de tal modo desregrada
que chamá-lo de punk seria uma ofensa a essa comunidade. De repente, o encontro
banhado, barbeado, correndo na rua de manhã cedo. Já tinham me dito que ele não
fumava nem bebia mais, e que drogas eram coisa do passado. Agora não acreditava
nos meus olhos.
Milagres
e conversões acontecem, a questão é: por quê? Como a curiosidade mata e tenho
intimidade fui perguntar. A resposta foi direta: eu morri. Depois entrou nos
detalhes. No óbito estava junto com amigos médicos que não praticam os
conselhos que dão aos pacientes. Bebiam todas e ele, repentinamente, caiu duro
no chão do restaurante. Foi ali mesmo que a perícia dos amigos o resgatou da
morte.
De
qualquer forma ficou morto por uns minutos, o suficiente para passar para o
lado de lá, e pegar como as coisas funcionam no além. Resumindo: ele foi direto
ao inferno, e embora ficasse pouquíssimo tempo, como o tempo lá é diferente,
entendeu toda a lógica.
Primeira
coisa que me diz: esqueça todas essa balelas de chamas e labaredas. Existem
novas diretrizes e isso mudou. É um clima bom, melhor que o de Porto Alegre. O
problema é a rotina. Quando você chega teu inferno já está pronto, o que você
vai fazer, onde vai comer, com quem reparte o quarto, enfim, as coisas
práticas. É tudo organizado e sem erros. Cada um ganha uma plaquinha com o nome
e já sai com a roupa destinada. Nada de uniforme, o vestuário também é
personalizado, ele por exemplo saiu de terno, gravata e sapato desconfortável.
A
comida eram várias opções de arroz integral, leite de soja e tofu. Mas antes
que alguém se encante com esse cardápio vou avisando: se você aqui come isso,
lá vai ser torresmo e dobradinha. Entenderam a lógica?
Outro
exemplo, meu amigo disse que sua TV era BBB onde todos eram evangélicos.
Futebol só reprise das campanhas do seu Grêmio, mas Brasileirão de 1991 e 2004.
Se ele desligasse a TV automaticamente ligava o rádio com música natalina e
vice-versa. Mas o detalhe que o desesperou: sua cota de álcool era saquê, um
copinho, em cada Carnaval de ano bissexto, e só. Claro que lá ele tinha uma
esposa, ela nunca parava de falar e fazia faxina dia e noite. O que ele não
chegou a entender é se ela era apenada, e aguentá-lo fazia parte, ou era apenas
uma sádica avulsa. De qualquer forma, sua conversão a uma vida saudável tinha
raízes bem firmes.
Enfim,
o que devemos reter da experiência é que o medonho, em sua infinita
criatividade, desenhou um inferno para cada ser humano. Como será o seu?
Nenhum comentário:
Postar um comentário