terça-feira, 5 de julho de 2011



05 de julho de 2011 | N° 16750
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Um outro pastoreio

Faz horas que estou namorando um livro para resenhá-lo aqui; agora apareceu o tempo necessário para ler, curtir e dar notícia. O livro é Um Outro Pastoreio, assinado por Rodrigo DMart e Índio San (editora Rodrigo Nolte Martins, Porto Alegre). É um belo artefato: capa dura,192 páginas, trabalho editorial cuidado, tudo do melhor; o conteúdo é outro luxo: uma longa história, contendo vários planos narrativos, e tudo ilustrado de modo extenso e intenso.

Vou tentar explicar melhor. O livro faz parte de um seleto e forte grupo de publicações de nosso tempo que mescla narrativa literária com narrativa visual, esta combinando pintura com fotos de bonecos e de imagens, negócio forte, expressionista, muito além do que fazem as histórias em quadrinhos convencionais.

É o que se chama de “graphic novel”, romance gráfico em tradução literal. Manja? Eu não manjo quase nada disso, devo confessar, mas sei que é coisa encantadora para legiões de fãs.

O caso concreto merece menção por motivos de variada ordem. Não é apenas porque se trata de uma “graphic novel” local bem feita, nem é apenas porque a edição é de primeira, mas principalmente porque os autores mergulharam num mito local, o do Negrinho do Pastoreio, e o banharam nas águas da mitologia iorubá. O resultado é encantador, meio mágico, forte.

O conjunto narrativo traz três relatos paralelos, que se interpenetram lá pelas tantas. Um: a história de Simão, um velho contador de histórias, e um menino que ouve. Dois: todo um enredo envolvendo a Aldeia dos Deuses do panteão africano, em luta interna (um glossário ao final explica o que se precisa saber para entender as figuras).

Três: uma livre adaptação da lenda do Negrinho, aquela que alcançou forma excelente em Simões Lopes Neto (o livro traz, em anexo, esta versão), com a sabida opressão de um Estancieiro e seu filho sobre o conhecido escravinho socorrido por uma mãe espiritual, que o ajuda a encontrar a famosa tropilha de cavalos extraviados.

Não se deve perder a chance de ler o livro, uma experiência que adensa a herança mitológica local ao mesmo tempo que inscreve nosso escasso lendário na rica e quase nada conhecida tradição afrobrasileira. Baita serviço, baita livro.

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